Há semanas, um juiz norte-americano condenou uma blogueira também norte-americana a pagar uma multa de 2,5 milhões de dólares porque ela se negou a revelar as fontes de uma denúncia feita contra uma empresa financeira. O magistrado alegou que os jornalistas têm direito ao sigilo de fontes, mas os demais mortais não gozam dessa mesma regalia.
A decisão do juiz provocou de uma enorme polêmica na internet e o assunto imediatamente se internacionalizou, como já é rotina na rede desde que a era digital se tornou um fenômeno global. As opiniões se dividiram na resposta à pergunta: por que os jornalistas têm direito ao sigilo de fontes e os blogueiros, ou blogueiras, não?
Claro que surgiram as mais diversas razões tanto pró como contra, mas uma coisa ficou clara na análise dos tweets, postagens em blogs, debates no Orkut e Facebook, bem como nós fóruns online: os blogueiros acusaram os jornalistas de usufruir de um privilégio, enquanto os profissionais justificaram o direito ao sigilo de fontes como uma proteção ao seu trabalho informativo.
Cada lado viu o problema pelo ângulo que mais lhe convém, mas a questão é bem mais ampla e profunda do que isso. Quando a imprensa era a única fonte de notícias para os membros de uma sociedade, o sigilo das fontes era uma garantia dada aos jornalistas a partir da expectativa de que ele obedecesse fielmente o código de conduta de profissão, na hora de avaliar uma informação. Era também uma proteção poderosa para os donos de empresas jornalísticas contra processos judiciais por difamação, injúria ou danos morais.
Mas no momento em que a internet deu às pessoas comuns o poder de publicar informações em veículos como blogs, páginas Web, redes sociais, fóruns e micromensagens tipo Twitter, o contexto informativo mudou e com ele a questão do sigilo de fontes. Se a proteção ao anonimato de informantes é vista como uma garantia de que o fluxo informativo não será interrompido por ações legais, então não se trata de um privilegio, mas sim de uma norma válida para todos os que publicam notícias — de forma profissional ou não.
É evidente que pelo fato de os jornalistas serem poucos, comparados aos blogueiros em todo mundo (estima-se que sejam mais de 200 milhões), fica mais fácil cobrar-lhes comportamentos éticos do que a uma multidão de informantes autônomos que não obedecem a nenhuma estrutura hierárquica. Mas aí temos uma questão de controle e viabilidade, e não de um direito civil.
Também não podemos esquecer o fato de que o cidadão é estimulado a fazer denúncias anônimas pelos conhecidos números telefônicos do Disque Denúncia, um recurso muito usado pelas polícias para obter informações sobre delinqüentes e cúmplices do crime organizado. Tanto o Disque Denúncia como o sigilo de fontes usam o recurso do anonimato como estímulo e garantia de que o autor da denúncia não sofrerá represálias pelo fato de ter passado a informação a outra pessoa. Faz-se uma distinção entre o fato denunciado e o autor da denúncia.
Se é esta a questão fundamental, então os blogueiros têm tanto direito ao sigilo de fontes quanto os jornalistas, já que partimos do princípio de que não se pretende instituir privilégios. Se a justiça dá ao autor da denúncia garantias de sigilo em beneficio do fato denunciado, a qualificação do interlocutor (jornalista ou blogueiro) da fonte informativa passa a estar vinculada ao fato. Se o fato é relevante e verídico, pouco importa para a sociedade se quem publica a denúncia é um profissional ou um amador.
Mas a questão não se esgota aí. Como fazer com que os milhões de blogueiros assumam a responsabilidade e as conseqüências do usufruto do direito ao sigilo de fontes? Esta pergunta não tem resposta atualmente e integra o arsenal de desafios colocados diante da sociedade contemporânea pela mudança de comportamentos e valores imposta pela era digital e pela internet.
A imposição de normas e regulamentos não pode ser descartada, da mesma forma que é necessário entender que o surgimento da blogosfera gera um processo de aprendizado no uso da informação. Vamos ter que conviver com um debate contínuo sobre esse problema, vivendo momentos em que a tendência à normatização ou regulamentação torna-se mais forte, e outros em que o descontrole ajuda a encontrar novas soluções.
Vocês leitores têm a maior responsabilidade nisso, já que é da diversidade das suas opiniões e de conhecimentos que vão surgir as respostas para as perguntas ainda sem respostas. Mas é preciso que essas opiniões sejam publicadas. Se desejarem, a área de comentários deste blog está à disposição de todos. Meu objetivo neste post foi apenas colocar o tema na roda pois não sou e nem tenho a pretensão de ser um especialista na questão.
Por Carlos Castilho para o Observatório da Imprensa
Nenhum comentário:
Postar um comentário