Falta de estrutura das salas estrangula produções; problema atinge de musicais a alternativos
August: Osage County é o nome da peça de maior sucesso no mundo hoje. Prestes a virar filme - com Meryl Streep e Julia Roberts nos papéis principais - a montagem que estreou em Chicago, em 2007, não cessa de merecer adaptações ao redor do mundo. Primeiro, alcançou a consagração na Broadway. Depois, tomou a cena europeia e, por fim, a América Latina. Nos últimos anos, o texto do norte-americano Tracy Letts já foi visto em Lima, Montevidéu e Buenos Aires. Mas São Paulo, ao menos por enquanto, deve ficar de fora dessa lista.
"Não dá para fazer isso aqui", sentencia Eduardo Tolentino, diretor do grupo Tapa. Convidado a assinar uma versão nacional de August, o encenador diz ter declinado da proposta. "Por quê? Porque iria ficar capenga, mambembe. O cenário são três andares de uma casa. Não dá para montar e desmontar todo dia. Seria preciso uma sala fixa, que ficasse só com essa peça. E isso, atualmente, é impossível." A constatação do diretor reflete as condições nas quais se faz teatro hoje na cidade. Se sobram produções, faltam espaços. E raras são as salas com condições técnicas para atender à demanda.
O problema reflete-se na própria lógica de apresentação dos espetáculos: com alguns poucos endereços tornando-se muito procurados, os teatros passaram a abrigar diversas montagens ao mesmo tempo. E as temporadas, necessariamente, ficam cada vez mais curtas.
Nem mesmo o sucesso é capaz de garantir que um espetáculo permaneça em cartaz, garante Aniela Jordan, produtora dos musicais da dupla Charles Möeller e Claudio Botelho. "A temporada de A Noviça Rebelde estava lotadíssima, mas tivemos que sair. O teatro já estava programado e não tínhamos mais como prorrogar a temporada."
Conseguir estrear também não é tarefa fácil. Segundo Aniela, Hair - o último grande musical da temporada carioca de 2010 - ainda negocia uma agenda para aportar em São Paulo no segundo semestre. "Conseguir lugar hoje está complicado. Temos que marcar com bastante antecedência. Às vezes, o musical está indo bem no Rio, a gente tem que prorrogar a temporada, mas aí perdemos a agenda em São Paulo. É desesperador." Como os musicais precisam de uma infra- estrutura mais elaborada - o que inclui um fosso de orquestra -, o número de opções fica ainda mais restrito. Não mais do que três ou quatro salas na cidade, estima a produtora. "A situação está tão difícil que já estamos planejando construir nossos próprios teatros, tanto no Rio quanto em São Paulo."
No Alfa, uma das salas mais requisitadas da capital, conseguir atender à demanda exige habilidade. "É como montar um quebra-cabeças", define a diretora superintendente, Beth Machado. O primeiro semestre, explica ela, é geralmente reservado para um grande musical. Já no segundo, a casa prioriza sua temporada de dança. "Não sei se faltam espaços, mas estamos vivendo um momento particularmente difícil, com o Municipal e o Cultura Artística fechados."
Para todos. Não são apenas as produções comerciais que sofrem com a precariedade da estrutura cênica. Um dos símbolos do teatro alternativo, a Cia. do Latão enfrenta problema semelhante. Para criar seu trabalho mais recente, Ópera dos Vivos, o grupo empenhou-se por três anos em um processo de pesquisa. Agora, contudo, deve conseguir fazer pouco mais de 20 apresentações da montagem em São Paulo.
Ainda que tenha sido saudada com entusiasmo pela crítica e feito sessões lotadas durante toda a sua breve temporada, Ópera dos Vivos demanda um tipo de estrutura quase inexistente entre nós. Dividida em quatro atos, precisa de ao menos duas salas que possam receber diferentes configurações. Segue em cartaz até o dia 13 no Sesc Belenzinho - um dos únicos locais na cidade planejados para receber criações dessa natureza -, mas depois não tem para onde ir. "Há muito se sabe que o palco italiano é uma estrutura moribunda", analisa o diretor Sérgio de Carvalho. "A grande maioria das produções experimentais ou mais inventivas precisam de mobilidade na relação entre palco e plateia. E isso não existe. É raro. As pessoas continuam construindo teatros tradicionais e malfeitos."
Pedro Pederneiras, diretor técnico do grupo Corpo e um dos especialistas da área no país, faz coro à afirmação: "O problema já está no nascedouro. Nossa principal deficiência é a forma de pensar os teatros", diz ele, que também é engenheiro. "O erro acontece desde a hora de conceber o projeto. Os arquitetos, geralmente, não pedem ajuda a uma pessoa da área para definir o programa. Nossas salas já nascem aleijadas, engessadas. Estamos construindo teatros no Brasil tendo em mente modelos dos anos 1940, 1950."
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