Era uma excelente quarta-feira às vésperas do verão no interior de São Paulo, ensolarada e quente. Estava na boa companhia do assistente de testes Leonardo Barboza na sede da Chery, em Salto, SP, quando nos preparávamos para seguir rumo à capital pela rodovia Castelo Branco. No rádio, o prenúncio do que nos aguardava alguns quilômetros à frente: um acidente envolvendo dois caminhões e um carro interditou a estrada. Quando chegamos ao ponto mencionado, só nos restou descer do carro e esperar. Nem preciso dizer o quanto o Chery QQ verde das fotos despertou a atenção dos demais motoristas.
- Ô colega, esse aí é aquele chinesinho barato, né? Perguntou-me o dono de um Chevrolet Celta.
- Sim, isso mesmo. Sai por R$ 22.900 e já vem com ar-condicionado, direção hidráulica, trio elétrico, airbag duplo, ABS e até sensor de estacionamento.
- Caramba! Tudo isso? Mas vale a pena? O que você achou?
Pois é, essas são as perguntas que mais ouvi durante o tempo que passei com o QQ. Aliás, as dúvidas são mais abrangentes e cada vez mais o fenômeno dos carros baratos trazidos da China aguça a curiosidade dos brasileiros.
Na Carro, estamos longe de ter a pretensão de realizar um teste definitivo com o QQ, o que demandaria rodar vários quilômetros com o pequenino, mas procuramos engenheiros e percorremos mais de 700 km em um seletivo percurso para tentar esclarecer as dúvidas sobre o Chery.
Vale lembrar também que, por conta das dúvidas que um carro chinês provoca, fizemos questão de analisar este Chery ainda mais a fundo. Para tanto, recorremos à experiência do engenheiro Valter Nishimoto, nosso colaborador e um dos proprietários da Frison, uma das oficinas mais conceituadas de São Paulo (veja ao final a análise de Nishimoto). Além disso, percorremos uma parte do seletivo percurso criado e utilizado pela Carro durante vários anos no antigo Teste dos 1 000 km.
Vamos, então, a uma breve apresentação do QQ. Lançado em 2003 no mercado chinês, onde possui até mesmo uma versão sedã chamada QQ6, o compacto desembarca por aqui em versão única com motor 1.1 de 68 cv e 9,1 mkgf de torque. Ele é o modelo mais vendido da Chery em seu país de origem, onde o nome significa algo como “fofo”, por isso a demora na chegada ao Brasil. Segundo a fabricante, quase toda produção é destinada para suprir o aquecido mercado interno da China. Tanto lá como aqui, o QQ foca no baixo custo e no Brasil terá um pacote muito interessante analisado sob o ponto de vista do custo-benefício.
No valor de R$ 22.900 que será praticado nas concessionárias da marca já estão incluídos todos os equipamentos de segurança e conforto citados no início do texto e mais rádio com entrada USB. Em nosso primeiro contato com o QQ, o equipamento de som revelou um problema: quando o carro era desligado ele perdia as estações gravadas na memória. Mas o defeito, contudo, era de instalação. Segundo verificado por nosso assistente de testes, o fio positivo permanente não estava conectado, o que resultou na falha.
Se pesquisarmos no mercado os concorrentes do QQ, os rivais com nível de equipamentos similar têm preço bem mais elevado. O Fiat Mille Fire 4 portas básico, por exemplo, é tabelado em R$ 25 670, enquanto o VW Gol G4 (versão antiga) sobe para R$ 25 810.
O Chevrolet Celta é o mais caro e, na opção Life, parte de R$ 27 195. Não é possível colocar freios ABS e airbag duplo no Uno, mas se tentamos deixá-lo o mais próximo possível do QQ, adicionando ar-condicionado, direção hidráulica, travas e vidros elétricos e rádio, o preço do Fiat alcança R$ 30 606. E, pela diferença de R$ 7 706, ainda faltam no Mille os vidros elétricos traseiros e sensor de estacionamento, além da importante dupla de segurança ativa e passiva.
Ao volante o QQ mostrou muita desenvoltura no trânsito urbano. Seu motor 1.1 16V confere bom desempenho a ele. Em nossas medições ele precisou de 14s9 para acelerar de 0 a 100 km/h e retomou de 80 a 120 km/h em 15s2. O Mille, por sua vez, precisa de 14s8 e 17s4, respectivamente, para cumprir as mesmas provas. Um problema alarmante, entretanto, ocorreu na avaliação de fading de freio, na qual são realizadas dez frenagens sucessivas com 200 kg no porta-malas do carro. O QQ apresentou uma diferença de 25,6 m entre a melhor e a pior, mesmo com ABS, número que cai para 6,6 m no Mille. O curioso é que, em nossa avaliação por estradas enfrentando alguns trechos de serra, o freio do QQ se comportou normalmente.
Por falar na viagem, o ar-condicionado não hesitou em nos deixar na mão, ou melhor, com muito calor, durante alguns trechos. Quando utilizado por um intervalo superior a uma hora, ele simplesmente deixava de resfriar. Na devolução do veículo pedimos uma verificação da assistência técnica de Chery do Brasil, a qual nos informou que “a carga de gás do sistema estava insuficiente”, logo o problema era apenas de manutenção.
Fora essas ocorrências, o QQ foi muito bem na avaliação geral e enfrentou nosso roteiro sem falhas ou quebras, inclusive por estradas de terra na região de Campos do Jordão, SP. A ausência de barulhos de acabamento, como ruído de plásticos, nos causou boa impressão sobre a construção interna.
No total percorremos 733,8 km com o QQ pelo litoral e interior do Estado de São Paulo. Para ter uma noção mais exata de suas reações, mesclamos trechos de serra, vias não pavimentadas e rodovias. O chinês enfrentou incólume e se destacou pelo baixo consumo de combustível. Foram consumidos no total 49,6 litros de gasolina no percurso, média de 14,7 km/l. Durante a viagem o fotógrafo Renato Durães ainda destacou o conforto para o passageiro.
Assim como na parte externa, no habitáculo o QQ deixa claro que a opção por pagar um valor abaixo da média de mercado requer algumas concessões, no caso, a simplicidade de peças e materiais para a redução de custo.
Com uma proposta de carro acessível, não faria sentido o QQ ter manutenção cara. Para tanto a Chery promete elaborar um pacote de revisões com preço fixo condizente com o valor do QQ, o qual contará com três anos de garantia contra um ano, em média, oferecido aos hatches de entrada.
Para o cliente receoso em investir seu dinheiro em uma marca recém-instalada no Brasil — as vendas da Chery começaram em 2009 com o utilitário esportivoTiggo — a empresa mostra sinais claros de solidez e profissionalismo nas suas operações. Além de selecionar com muito critério os grupos empresariais que ganham as concessões para representar a marca, ela conta com um estoque de peças em sua sede administrativa e oficializou, em setembro de 2010, a construção de sua fábrica no país na cidade de Jacareí, SP.
Depois de tudo isso, chegou a hora de responder ao meu colega do Celta que conheci no congestionamento. O QQ vale a pena? Se você não faz questão de um automóvel com acabamento primoroso e quer um veículo que te leve do ponto A ao B com eficiência sem pagar muito por isso, ele, de fato, vale a pena.
Com a palavra, o engenheiro Valter Nishimoto
“Basicamente o que a gente nota, tanto no motor como na suspensão e demais partes do carro, é muita simplicidade. Você observa que os componentes foram pensados para serem os mais simples possíveis, mas nada aqui está errado, e nem se pode verificar uma falha de projeto”. É, basicamente, o que Valter Nishimoto, sócio da oficina Frison, disse sobre o QQ. Nishimoto também destaca que o chinês usa peças de fornecedores tradicionais, como a Bosch, o que ajuda na confiabilidade. Convidamos o engenheiro e membro da AEA a dar uma volta com o QQ. Rodando, ele criticou a folga no volante e no câmbio, além do ruído causado pelas válvulas dos amortecedores em funcionamento. “Isso não é problema, mas seria inadmissível num carro de luxo”, acrescentou.
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