"O carro está novinho, não tem de fazer nada, nada mesmo, esse é filé: lata zerada, pneuzada nova e o motor tá ótimo, inclusive já passou na inspeção veicular."
A frase acima e suas variações foram ouvidas por UOL Carros em recentes contatos telefônicos com lojas de veículos de São Paulo, apresentando-se como um potencial cliente em busca de um carro com cerca de dez anos de uso. Em sites especializados na venda de veículos, muitos anúncios também destacam a aprovação na inspeção veicular como um atestado de que o carro "está zeradinho".Perguntados sobre a citação do procedimento no "comercial" do carro, os vendedores -- em sua maioria de lojas independentes -- afirmam que, " se o carro passou na inspeção, é porque o motor está bom".
A aprovação na inspeção veicular ambiental, obrigatória apenas para veículos registrados na capital paulista, tornou-se claramente um argumento de vendas no mercado automotivo. De fato, um carro já chancelado pela Controlar, a empresa que faz o serviço (que é pago), poupa trabalho ao futuro dono. Mas isso não significa que o carro esteja realmente "bom", ou sequer apto a transitar nas ruas.
"A inspeção não garante muita coisa. Ela serve somente para avaliar o nível de emissões do carro e se existe algum problema aparente no motor", explica o engenheiro Marcus Vinícius Aguiar, diretor técnico da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva (AEA).
A AMEAÇA DO JEITINHO
Segundo Aguiar, uma inspeção realizada pelos órgãos públicos que realmente fosse eficaz levaria em conta itens que vão além do nível de emissões. "É preciso avaliar o estado do veículo como um todo, e não apenas a quantidade de gases que ele emite. Uma inspeção mais ampla garantiria que o meio ambiente não fosse agredido e também tiraria das ruas carros que não possuem a menor condição de trafegar", disse.
Além de não garantir que o veículo esteja em condições normais de uso, o selo de aprovação na inspeção (fixado por funcionários da própria Controlar no lado interno esquerdo do parabrisa) também não significa que o carro foi avaliado em seu estado normal. "Há casos de oficinas que alugam motores apenas para que o carro possa ser aprovado na inspeção. Outras fazem regulagens específicas para passar pelo exame e, após obter o selo, retornam o carro às especificações prévias. É complicado confiar demais apenas no resultado da inspeção", sentencia o engenheiro da AEA.Antonio Gaspar de Oliveira, diretor técnico do Sindicato da Indústria de Reparação de Veículos e Acessórios do Estado de São Paulo (Sindirepa), avalia que o selo de aprovação é uma indicação mínima da saúde do propulsor. "O carro que foi aprovado na inspeção não tem problemas sérios e aparentes no motor, como desgaste nos componentes internos e vazamentos de óleo. Isso não significa, entretanto, que o veículo esteja funcionando plenamente", relativiza. "É preciso lembrar que outros componentes vitais de um carro, como a suspensão, não são avaliados. Então, não se deve achar que um veículo com o selo está em total bom estado".
SEGURANÇA EM SEGUNDO PLANO
Vale lembrar que a legislação por trás da inspeção veicular ambiental realizada em São Paulo é, em si, polêmica. Pelas regras do programa, veículos que tenham realizado seu primeiro licenciamento no ano de exercício anterior ao vigente já são obrigados a passar pelo teste. "Não há sentido em inspecionar carros novos e seminovos. O ideal seria que os veículos somente participassem a partir do terceiro ou quarto licenciamento. Isso pouparia tempo e dinheiro dos motoristas", diz Fernando Calmon, engenheiro, jornalista especializado no setor automotivo e colunista de UOL Carros.
Calmon concorda que, no formato atual, a inspeção não tem valor como atestado de qualidade geral do veículo. "Ela só avalia a questão das emissões, e mesmo assim não mede diretamente o nível de óxido nítrico (NOx). Enquanto a inspeção não englobar também o lado da segurança, o selo de aprovado colado no vidro acaba por não significar muito", opina o jornalista.
Por sua vez, Oliveira, do Sindirepa, ressalva que "antes [da inspeção] não tínhamos nada e, pelo menos em tese, e confiando na realização de um bom trabalho por parte da empresa responsável, não há problemas no motor que não seriam detectados durante o exame".
A Controlar, empresa responsável pela inspeção veicular ambiental na cidade de São Paulo, foi procurada por UOL Carros para comentar o uso do resultado da inspeção como argumento de vendas de carros usados. Até a publicação desta reportagem a empresa não retornou o contato.
A inspeção, que é anual, custa R$ 61,98 e precisa ser agendada (pelo final da placa) e paga com antecedência. Essa taxa não é mais devolvida. O licenciamento do ano seguinte só é liberado com a inspeção realizada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário