segunda-feira, 30 de julho de 2012

Publicidade disfarçada


A recente ação da Nokia na internet com os vídeos da série “Perdi meu amor na balada”, criada e produzida pela Na Jaca, sofreu uma onda surpreendente de críticas à falta de transparência da marca, que não deixou claro desde o princípio que se tratava de uma campanha. E gerou discussões sobre a publicidade travestida de conteúdo.

Há opiniões muito diversas no mercado a respeito do tema. Num momento em que os anunciantes estão aprendendo — ao custo de muitos cases negativos — como dialogar com consumidores pelas redes sociais, há quem não veja problemas em gerar buzz para a marca sem, a princípio, deixar claras as intenções reais. A própria Nokia defende que sua campanha foi bem-sucedida.
Para outra corrente, a falta de transparência pode ser matadora para o anunciante. No caso da Nokia, o envolvimento do Conar e do Procon São Paulo, órgão de defesa do consumidor, dão indícios de que a empresa pode colher resultados amargos — e não esperados. As decisões finais dos dois órgãos podem chegar à suspensão dos vídeos (no caso do Conar) e a uma multa de até R$ 6,5 milhões (no caso do Procon).
Chama a atenção a forma como o Conar vem julgando ações virais denunciadas e apreciadas por seus conselhos de ética. Casos recentes dão indícios de que a tendência é optar pela alteração ou suspensão daquelas que não deixam claro que se tratam de ações publicitárias.
Neste mês, em processo movido contra a Trident, da Kraft Foods, os conselheiros determinaram que um filme com características de conteúdo gerado espontaneamente por consumidores, mas veiculado no site da marca e produzido especificamente com essa intenção, deveria deixar mais clara sua natureza publicitária.
A polêmica esquenta quando o ocultamento proposital da marca fica evidente para o público e nota-se que esta intenção inicial era parte da estratégia do anunciante para conseguir ter um vídeo viralizado. Eduardo Duarte Zanelato
     
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    ›› Flavia Molina , diretora de marketing da Nokia
    “A ação da Nokia foi polarizadora e já esperávamos comentários negativos e positivos desde que planejamos a campanha. Acredito que as críticas a respeito da frustração do consumidor estejam ligadas à ousadia da ação. O negativo, aqui, está muito mais ligado ao fato de as pessoas torcerem por um final feliz. Citaria como exemplo uma novela: é como se você torcesse até o final para que um casal fique junto. É claro que se trata de uma obra de ficção, mas nem por isso o espectador deixa de se engajar e torcer. Campanhas como esta são obras de ficção. Em nenhum momento há associação de produto, e o consumidor pode ou não se engajar com ela. Não revelar que era uma campanha fazia parte da estratégia. Usamos uma linguagem universal, o amor. Apenas num terceiro momento o produto da Nokia entra no contexto. Em momento algum tínhamos intenção de lesar o consumidor — e ele não foi lesado. Somos uma empresa que investe em inovação e não poderia ser diferente em nossas campanhas de marketing. Faz parte da inovação criar coisas de um jeito diferente. Inovação é uma plataforma importante, bem como o respeito pelo consumidor.” 
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    ›› Marcelo Tripoli , sócio e CEO da iThink
     “A linha que separa o que é publicidade e o que é conteúdo está cada vez mais tênue. O marketing viral e as mídias sociais, por sua vez, estão se tornando indissociáveis de qualquer estratégia de comunicação. Não faz sentido uma marca não pensar assim, qualquer que seja seu objetivo. Entretanto, sou totalmente contrário a uma estratégia que leve o consumidor a chegar a uma conclusão errada. O público até pode ser tratado de forma que as informações sejam reveladas aos poucos — mas elas não podem levar a uma conclusão que não é verdadeira. Não se deve gerar uma frustração por algo dito antes, que contrarie a real intenção daquele conteúdo. Os anunciantes ainda estão aprendendo a lidar com este momento, já que cada vez menos conseguem controlar o conteúdo gerado pelos usuários. Aprender com os erros faz parte da cartilha de qualquer gestor de marca. Quem não está calejado, deveria ficar. Cabe às agências compartilhar e explicar o risco que existe com essa nova realidade e avaliar até que ponto os clientes estão abertos a esse risco. Muitas vezes, eles não têm essa noção — o que pode ser um problema. Trabalhamos para marcas, mas não acreditamos em ideias que, para ter sucesso, dependam do fato de não estarem vinculadas a uma empresa.”
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    ›› Bruna Buás , gerente de marketing digital de Guaraná Antarctica
    Não faz parte da estratégia da nossa marca usar vídeos que não digam que são do Guaraná. Todas as nossas ações são explícitas. Nossos consumidores têm um nível de aproximação muito grande com a marca, então essa não é uma estratégia necessária. Há uma linha que critica muito esse tipo de ação por se tratar de algo invasivo: conquistar a atenção do consumidor sem, a princípio, dizer que é comunicação de marca, mas, no final, revelar que é. Há quem defenda que é mais natural inserir o produto num contexto mais apropriado — e que não ser claro desde o início frustra o consumidor. Quando pensamos nossas estratégias para redes sociais, claro que há o objetivo de viralizar e ampliar a penetração do conteúdo que produzimos. Mas o objetivo principal dos nossos canais nas redes sociais não é falar de assuntos que somente interessam às pessoas. Queremos aprofundar a relação delas com a marca. No Facebook, nossa principal plataforma de atuação, o diálogo é mais simples, superficial e direto. Por uma característica óbvia do meio, trabalhamos os atributos da marca de forma a contar uma história. Quando realizamos essas ações e fazemos vídeos de dois minutos, por exemplo, é porque queremos ter um nível de profundidade maior sobre determinado assunto.” 
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    ›› Márcio Oliveira , vice-presidente geral da Lew’Lara\TBWA
     “Chamo isso de factoide: cria-se um vídeo que gera comentários e, depois, revela-se que há uma marca por trás. As pessoas estão muito conectadas e assim que batem o olho num factoide desses, pensam: ‘De que marca será isso?’ Parte do problema está na decepção causada pela revelação. Há uma máxima que diz que viral não se encomenda. Claro que se encomenda! O que é um viral, se não uma coisa que você gostaria de passar para os outros? No Brasil, as pessoas gostam de passar, no máximo, cinco coisas: algo engraçado, emocionante, uma sacanagem (em todos os sentidos), futebol e música. A maldição dos pôneis, que integrou a campanha “Pôneis Malditos” ia na linha da sacanagem. A intenção era grudar aquela música na cabeça de alguém. Todas as estratégias da Nissan são compostas de um filme, uma versão com extensão no YouTube e um aplicativo no Facebook que ajuda no compartilhamento. Pedir explicitamente, mostrar que é publicidade, é honesto com quem está do outro lado — e cabe à pessoa entrar ou não na brincadeira. Hoje em dia, ser honesto e direto é crucial na vida de uma marca. Quando a pessoa curte uma fanpage, é como se estivesse adicionando um amigo, com personalidade e características próprias. A abordagem da pegadinha já funcionou um dia, mas hoje não tem mais espaço.”

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