terça-feira, 29 de maio de 2012

Cinema de arte se rende ao merchandising

De Resnais a Bertolucci, vários grandes diretores exibem, no Festival de Cannes, filmes com personagens rodeados por marcas e se beneficiam do product placement

Ana Paula Sousa, de Cannes
Alain Resnais, o lendário diretor de Hiroshima mon Amour (1959) fez. O italiano Bernardo Bertolucci, o austríaco Michael Haneke e o francês Jacques Audiard, nomes de proa do cinema de autor, também fizeram. O merchandising, ao que tudo indica, entrou, de uma vez por todas, na tela do Grand Théâtre Lumière, espaço reservado às sessões nobres do Festival de Cannes, encerrado no domingo 27.

De garrafas de água Perrier à pasta de dente Signal, da Unilever, não foram poucos os produtos que desfilaram — discretamente, diga-se — pelos filmes que competiram pela Palma de Ouro, o mais prestigioso prêmio do cinema internacional.
“Durante muito tempo, os cineastas autorais resistiram ao merchandising, mas, hoje, são eles próprios que nos procuram”, diz Olivier Olivier Bouthillier, criador da empresa Marques & Films, com sede em Paris. “Eles nos entregam o roteiro do filme e nós nos encarregamos de procurar produtos que se encaixem na história e combinem com os personagens.” Dentre os 22 títulos selecionados para a competição de 2012, três passaram pela Marques & Films: Vous n’avez Encore Rien Vu [Você Ainda não Viu Nada], de Resnais, De Rouille et D’Os [Ferrugem e Ossos, em tradução livre], de Audiard, e Amour [Amor], de Haneke. Audiard e Haneke são, respectivamente, os diretores de O Profeta e A Fita Branca, que, em 2009, levaram o Grande Prêmio do Júri e a Palma de Ouro no festival.

O que é comum aos três filmes é o cuidado com as inserções comerciais. Que, de tão naturais e lógicas, passam, praticamente, despercebidas pelo espectador. “Nesse tipo de filme, se o produto é exibido de maneira agressiva, o efeito é oposto: o espectador vai recusá-lo”, pontua Bouthillier. Qual seria, então, a vantagem da marca em uma situação como esta?

“Hoje em dia, muitas marcas têm um orçamento destinado a esse tipo de ação. E, eventualmente, uma participação pequena cresce na montagem. Além disso, o que é pequeno em um filme, pode crescer em outro”, diz Bouthillier. O executivo acaba de colocar o champanhe Cuvée Louise e um relógio rolex em Missão Impossível 5, ainda em produção, e trabalha, neste momento, sobre o novo título de Martin Scorsese, The Wolf of Wall Street [O Lobo de Wall Street].

Para estes dois filmes hollywoodianos, as marcas, mais do que mero recurso para engordar o orçamento, são essenciais à própria construção dos personagens. É, afinal de contas, inimaginável, um milionário de Wall Street descolado de grifes. Mas foi esse, também, o caso do novo filme de Bertolucci, Io e Te [Eu e Você], exibido em sessão especial, em Cannes. As latas de Coca-Cola consumidas pelo adolescente Lorenzo são essenciais para que acreditemos na personalidade dele. E fica evidente, na trama, que Bertolucci não o transformou em fã da bebida a fim de conquistar o apoio da companhia.

+ Vous n’avez Encore Rien Vu [Você Ainda não Viu Nada], de Alain Resnais, aderiu ao product placement Crédito: Reprodução/Divulgação
Críticas

“Esses filmes não são mais cinema. São um shopping center”, avalia, sem meias-palavras, o norte-americano Donald Rosenfeld, produtor de A Árvore da Vida, de Terrence Malick, ganhador da Palma de Ouro em 2011. Rosenfeld, que trabalhou, durante vários anos com James Ivory, o diretor de filmes como Vestígios do Dia, diz jamais ter aceitado uma ação de merchandising: “Não tenho dúvidas de que compromete o filme. Você ganha dinheiro e perde qualidade”.

“A base de todo bom merchandising é a ideia de que, hoje em dia, as marcas existem na vida de todo mundo. O personagem não pode se sentar à frente de um computador sem marca, isso não teria sentido”, defende Alain Maes, diretor da Public Impact, empresa francesa que desenvolveu um sistema capaz de avaliar a eficácia do merchandising.

“Nossos estudos mostram que a reação do público, desde que a ação seja bem-feita, é excelente. A criação de desejo tende, inclusive, a ser maior do que na publicidade convencional”, assegura Maes. Que o digam os fabricantes das balas Reese’s Pieces, febre nos anos 1980 por causa de E.T., e a Ray-Ban que, depois do lançamento de Homens de Preto, registrou aumento de 200% nas vendas.

Confira, abaixo, trailers de filmes citados nesta matéria.


 

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