terça-feira, 8 de novembro de 2011

Condecine abre crise no mercado

Anunciantes criticam postura favorável de agências e produtoras ao aumento da taxa de importação de comerciais

A Medida Provisória no 545 que estabeleceu um aumento de 138% na taxa da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine) a partir de 2012 abriu uma crise no relacionamento entre as entidades que representam anunciantes, agências e produtoras. Em comunicado oficial, a Associação Brasileira de Anunciantes (ABA) criticou o que considerou “atitude favorável de produtoras e agências ao grande aumento das taxas de Condecine e à eliminação de algumas de suas modalidades, com a consequente elevação dos custos de produção audiovisual”. Para a ABA, a reação da Associação Brasileira das Agências de Publicidade (Abap) e da Associação Brasileira das Produtoras de Audiovisual (Apro) “mostra divergência entre os interesses dos anunciantes e do mercado de produção”. A primeira medida prática anunciada é a retirada dos anunciantes do III Fórum de Produção Publicitária, marcado para acontecer em São Paulo no próximo dia 23.

As reações da ABA, porém, não estão limitadas ao não comparecimento ao evento que reunirá agências e produtoras. O departamento jurídico da entidade está debruçado sobre a MP 545 para avaliar a viabilidade de questionar sua legalidade. A principal mudança é a extinção da categoria “obras publicitárias estrangeiras adaptadas”, que passam a ser consideradas simplesmente como “obras estrangeiras”. Além disso, a taxa para veiculação no Brasil de comerciais importados sobe de R$ 84 mil para R$ 200 mil a partir de 1o de janeiro de 2012. O mesmo rea­juste de 138% foi aplicado aos comerciais nacionais, que também precisam pagar a Condecine, embora neste caso a taxa seja 56 vezes menor: subiu de R$ 1,5 mil para R$ 3,57 mil. Já a taxa para as obras publicitárias brasileiras filmadas no exterior não foi alterada, permanecendo em R$ 28 mil.

Ainda que menos de 10% dos 300 associados da ABA sejam importadores regulares de filmes estrangeiros, o repúdio ao aumento da Condecine é unânime. Para seus dirigentes, há contradição entre o apoio da Apro ao movimento Film Brazil, que estimula agências e anunciantes do mundo inteiro a realizarem produções no País, e o lobby que contribuiu para o aumento da Condecine. As principais multinacionais que compõem os quadros da ABA já solicitaram aos dirigentes da Federação Mundial dos Anunciantes (WFA, sigla em inglês) que coloquem em debate as consequências do aumento da taxa brasileira na reunião que a entidade organiza em Londres, no dia 2 de dezembro.
 
Na visão da Apro, as entidades não podem ser responsabilizadas pela aprovação da nova Condecine por esta ser uma decisão na esfera governamental. “Questionar a medida é um direito deles, mas a discussão deve ser com o governo. O movimento que nós fizemos foi por uma reação a Ley de Medios argentina. Não temos poder para sozinhos aprovar o aumento da Condecine”, sustenta a presidente da Apro, Leyla Fernandes. Como exemplo, ela cita que a própria questão da Ley de Medios foi resolvida pela diplomacia oficial do Brasil, que conseguiu eximir os comerciais brasileiros do bloqueio argumentando que os acordos do Mercosul estariam acima da nova lei. Leyla conta que a associação de produtores argentinos já se mobiliza para que o país vizinho tenha uma taxa similar ao Condecine para suavizar o radicalismo da lei atual que simplesmente proíbe as produções publicitárias estrangeiras de ser veiculadas na Argentina.

Para Luiz Lara, presidente da Abap, a mudança veio para proteger o mercado nacional e se trata de uma atualização das taxas impostas ao produtores nacionais e internacionais, que não mudavam há dez anos. Ele minimiza a tensão criada entre as entidades e ressalta a importância do diálogo permanente com os fornecedores na evolução das práticas do mercado. Sobre a desistência da ABA, Lara reitera que o convite aos anunciantes está mantido. “Só por meio do livre diálogo conseguiremos obter os melhores resultados em produção, lembrando que a propaganda faz parte da indústria criativa nacional”, aponta. Nos bastidores, porém, a ausência da ABA no III Fórum deverá ter um efeito muito mais político do que prático. “Aproximadamente 95% do que será debatido no evento já foi previamente discutido com a Aba”, afirma Leyla. Produtoras e agências esperam lançar durante o fórum um novo guia de boas práticas que estabeleça parâmetros atualizados de direitos e obrigações na relação com anunciantes, incluindo temas como contratação de elenco e formatos de entrega dos comerciais para as emissoras.

Outro ponto que estava em avançado estágio de negociação entre Apro e ABA é a questão das mesas de compra. As produtoras reivindicam uma padronização na forma como esses comitês financeiros dos anunciantes negociam seus preços e prazos. A ABA já informou à Apro que deverá concluir seu Guia de Melhores Práticas para Procurement sem a participação dos produtores na fase final. A tendência é que a cartilha se alinhe ao Communications Purchising Action Group (Compag), manual de práticas globais estabelecido pela WFA. 

 

Produção nacional e importação crescem

Os números atualizados da Ancine referentes ao número de produções publicitárias nacionais e estrangeiras veiculadas no Brasil mostram um crescimento nos últimos dois anos. Após uma forte queda em 2009 (veja quadro), as produções nacionais recuperaram o fôlego e o ingresso de obras estrangeiras publicitárias adaptadas — categoria extinta a partir de 2012 — ultrapassou a barreira dos 500 filmes pelas primeira vez. Sônia Piassa, diretora executiva da Apro, minimiza o peso do crescimento das produções nacionais lembrando que obras oriundas de municípios com menos de um milhão de habitantes estão isentas da Condecine. “A maior parte dessas produções é extremamente simples e pouco significativas para nossa indústria em termos de investimento”, afirma.


Entre as agências consultadas por Meio & Mensagem, é unânime a impressão de que a nova Condecine deve obrigar a maioria dos departamentos de marketing a reavaliar a necessidade de se importar filmes, decisão pautada muitas vezes pela comodidade e não apenas pela simples economia em produções locais.

 
Ambev sem pool

Uma das práticas normalmente associadas às mesas de compras é a definição de pool de produtoras. Na semana passada, a Ambev anunciou o fim da prática e liberou suas agências para escolherem as produtoras audiovisuais de acordo com cada projeto. “Não recomendamos por entendermos que não é positivo, como a própria Ambev deve ter constatado. A livre negociação dá mais opções aos anunciantes, deixando o processo mais saudável”, afirma a presidente da Apro. Ela cita também o exemplo da Unilever, que há alguns anos também desfez seu pool de produtoras. Na ABA, uma das principais recomendações aos anunciantes que montam pools é evitar rodízios e outras práticas que deixem o processo menos competitivo.
 
As produtoras credenciadas pela Ambev eram Cine, Delicatessen, Fulano, Killers, O2, Paranoid, Prodigo, Sentimental e Zeppelin, além dos diretores Pedro Becker, da Movie&Art, e Breno Silveira e Andrucha, da Conspiração Filmes. Na parte de som, porém, o pool mantém Apolo 9, Comando S, Hilton Raw, Menina e Rítmica. A Aprosom elogiou a iniciativa da empresa e reivindicou o mesmo tratamento para suas associadas: “Somos contra a prática da formação de pools e a negociação da concessão do direito de uso de obras fonográficas por parte de mesas de compra, que muitas vezes privilegiam critérios financeiros e econômicos em detrimento dos critérios artísticos e técnicos”, afirma a diretora executiva da entidade, Ana Nogueira.

 

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