segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Lance! defende passaporte digital

Presidente do jornal, Walter de Mattos Júnior refaz a equação financeira da mídia




“A necessidade é a mãe da criatividade”. A frase é de Walter de Mattos Júnior, presidente do jornal Lance! que aposta no valor de uma marca forte para manter a saúde das empresas produtoras de conteúdo em todas as suas plataformas. O executivo acredita que a equação financeira do negócio nunca mais será como antigamente, pois hoje são várias as formas de ganhar dinheiro. No Lance!, ele pretende inserir o conceito do passaporte digital: o leitor assina o conteúdo e pode acessá-lo pelo iPhone, Android, computador, tablet, via smarTV ou qualquer outro meio compatível. Nessa entrevista, Mattos defende a urgente profissionalização no marketing esportivo. E declara: “Esperamos por este momento desde que nascemos”, referindo-se aos grandes eventos esportivos que vêm por aí.

O jornal esportivo enfrenta os mesmos dilemas e desafios de todos os jornais impressos do país?
Vou falar por nós. O Lance! é um jornal que, se comparado aos outros esportivos importantes do mundo (geralmente europeus), sempre teve um nível de leitores mais jovens. Isso foi de propósito. O marketing foi feito assim, o desenho gráfico, a comunicação e as promoções tinham como objetivo conquistar o jovem. E isso é muito bom. Contudo, esse público é mais digital, tende a migrar do papel para esses meios. O primeiro desdobramento desse diferencial é um desempenho na internet muito superior ao de veículos até maiores do que o nosso. Entre os jornais, se você considerar outros diários, chegamos a ser o maior site quando tínhamos parceria com um portal – hoje jornais como O Globo recebem muito tráfego do seu portal, a Folha está no UOL e o Estado, no MSN. Nós temos um site independente, sem nenhum portal direcionando o tráfego, e ainda somos um dos três maiores. Um desempenho impressionante. Outra característica do Lance! é ser nacional – mais que os outros, que tendem a ser de uma comunidade, de uma região. Temos audiência nacional tanto no Lancenet quanto no Lancemobile. E estamos com a Rede Nacional Lance!, inicialmente sendo disponibilizada no papel. O resumo da ópera é: sofremos mais com a migração do papel para o digital – então nossa obrigação de conquistar leitores do jornal impresso é grande. Temos todos os benefícios na área digital e no papel os desafios são os mesmos. Reter o leitor é o principal deles.


E como fazer isso?
Nós criamos a Rede Nacional Lance!, que está em processo de consolidação, e é uma coisa muito inovadora. A partir da força e reconhecimento da nossa marca e do atual momento do esporte brasileiro, fechamos sete acordos com jornais de diferentes estados, dentro dos quais o Lance! circula às segundas-feiras como um suplemento. Com isso já agregamos quase 100 mil exemplares nas segundas. Parece uma rede de televisão: somos a cabeça de rede, mandamos o conteúdo digital para os parceiros já editado em um formato mais compacto – com 16 a 20 páginas, no lugar de 36 a 40 –, com cobertura esportiva nacional e internacional. O parceiro local continua fazendo o esporte local, e nós podemos vender a publicidade nacionalmente. Em 2013 botaremos o bloco na rua do ponto de vista comercial, pois antes não tínhamos escala, e agora temos. É inviável imprimir o jornal nesses lugares todos, ter distribuição própria. E temos um terceiro modelo: para os locais onde não há esse perfil de parceiro “da rede” estamos experimentando um modelo impresso, que sai apenas às segundas, o dia mais importante do esporte.


Este seria um voto de confiança no impresso?
Sim, acreditamos no impresso. Até porque podemos oferecer para os anunciantes um jornal nacional, em papel, que eles não têm. O Diário de Pernambuco, por exemplo, queria fazer um projeto conosco, mas ele tem mais de 50 mil exemplares. Pensamos em dividir a despesa com o papel, que já é muito alta, mas não deu. No Sul, ocorreu a mesma coisa, com os jornais do RBS. Nesses dois lugares e talvez na Bahia nós mesmos faremos o empreendimento, em sociedade com parceiros locais. No Rio Grande do Sul, com o jornal NH. No Paraná, com a Gazeta do Povo. O importante é que possamos ter a marca Lance! nesses locais  e oferecer aos anunciantes uma “manchete nacional”. Também podemos disponibilizar produtos digitais nacionais, como o portal mobile, os aplicativos e o Lancenet. A necessidade é a mãe da criatividade.


Qual a relação do leitor de esportes com o papel?
Ler jornal em papel é hábito. Leio tudo no iPad, mas prefiro papel. Não há nada como sentar em um bom café e ler o jornal em papel. No entanto, isso é característica de uma geração. Vamos ver como vai ser. O livro não ia desaparecer? A molecada está lendo milhões de livros. O mundo vai mudando, as respostas vão ficando menos óbvias e menos assertivas. Vai ter de tudo. Hoje os jornais são empresas de produção de conteúdo, não somos obrigados a ter rotativas.


Mas ainda falta resolver a equação financeira sem as rotativas, certo?
Nunca mais será como antigamente, quando tudo era fácil e claro. Hoje são várias formas de ganhar dinheiro. Acredito muito no conceito do passaporte digital. O leitor assina o conteúdo e pode acessar pelo iPhone, pelo Android, pelo computador, pelo tablet, pela smarTV... Uma senha, uma assinatura, e ele lê do jeito que quiser no mundo digital. Em pesquisa que acompanho percebo que é mais fácil o leitor ser assinante de algo com formato próximo do papel do que querer que ele assine um site. Até porque as pessoas foram acostumadas que sites devem ser grátis. Mas as coisas com cara de revista, jornal flip, são pagas, ainda que estejam no mesmo suporte. Temos um projeto com esse perfil e já conquistamos mil assinaturas. Apostamos que no próximo ano chegaremos a 10 mil. É o Lance Digital. O leitor pode entrar pelo meio que quiser a partir de uma única senha. Os sites estão se movendo para um modelo “metered” (metrificado) e pode-se identificar dois tipos de assinantes: o esporádico (que se tenta rentabilizar pela publicidade) e o frequente (que será convidado a pagar a partir de uma certa taxa de consumo). É um movimento que está acontecendo no mundo inteiro e os jornais brasileiros caminham para essa direção.


E o vídeo, o grande vetor no ambiente eletrônico? Como estão os investimentos em TV?
No esporte, o vídeo é muito forte. Há cinco anos nunca tinha entrado uma câmera de vídeo aqui dentro da redação. Hoje produzimos uma televisão com 20 horas de programação semanais, com mais de três milhões de streams por mês. E existe uma técnica para o vídeo no esporte: é preciso aprender a iluminar, a locução é diferente.. Há uma outra tecnologia que aos poucos vamos incorporando. Temos mais de 40 pessoas trabalhando só com vídeo aqui dentro.


E nessa área a concorrência é grande, não?
Sim, mas temos uma marca forte. Uma marca que faz com que nosso aplicativo do brasileirão Lance! (que não tem um real de mídia para divulgar) já tenha quase 200 mil downloads. É o APP top de brasileirão. Esse é o valor da marca. Tem publicidade atrás disso, então pode ser que o aplicativo, no ano que vem, já venha a ser cobrado. As coisas precisam ter cobrança, mas devem seu muito boas. Tenho um amigo que fala que o ser humano tomou várias decisões erradas ao longo da sua existência: uma delas foi a monogamia.  A segunda é esse negócio de ficar dando informação de graça. Quem paga o salário dos jornalistas se tudo é de graça?


Quais os planos para cobrir os próximos eventos esportivos, com tantos veículos do mundo disputando espaço?
Para quem não é um veículo dedicado a esportes, acho que o desafio é maior. Temos 300 funcionários na área. Para nós é o dia-a-dia. É claro que um evento no Brasil elevará nossa exigência para um outro patamar. Estamos nos preparando para isso desde que nascemos, desenvolvendo equipes. E não é um bicho de sete cabeças cobrir uma Copa no Brasil. Problema é cobrir fora, quando temos a necessidade de enviar 50 profissionais para uma África do Sul, por exemplo, e mandamos 10, 15 pessoas. Aqui teremos mais facilidade. Mas é verdade que outros veículos não especializados querem pegar um naco desse negócio e se apresentar como sendo muito bons em esportes. A concorrência é maior. Eu nunca imaginei, ao criar o Lance!, que nós íamos tão rapidamente ver esses eventos no Brasil. É um sonho realizado, de forma espetacular. E infelizmente será algo que meus filhos não verão novamente porque acontece uma vez a cada duas ou três gerações.


Em um debate recente sobre o negócio do futebol, em que você estava presente, levantou-se a falta de profissionalismo no futebol brasileiro. O Brasil tem muito caminho pela frente, não é?
O que me preocupa entre os problemas que temos é a indústria do marketing esportivo. Especialmente o uso do esporte como plataforma de estratégia para as marcas. É onde vejo muitas possibilidades de mudarmos de patamar, de mudar o seu tamanho, de multiplicar essa indústria por dois ou três. Temos que ter humildade e pragmatismo para importar pessoas que estão trabalhando nisso em outros patamares. Eu acredito que teremos um legado positivo, porque na hora em que vêm para cá, as multinacionais vinculadas aos grandes eventos – como a Visa, por exemplo – para ativar seus negócios na Copa do Mundo e nas Olimpíadas, as coisas mudam. São eventos mundiais. E a própria Visa afirmou, no debate ao qual você se referiu, que não fecha patrocínios sem ter pelo menos três vezes o valor da verba para investir em ativação. No Brasil enfrentamos o amadorismo na hora da decisão de contratar um patrocínio e depois falta de verba para ativá-lo. As marcas compram espaços e querem ficar só na “mídia espontânea”. E não falo isso porque sou mídia e gostaria que as empresas anunciassem mais. Não é esta a questão. A questão é que na hora em que uma marca investe apenas na mídia espontânea, seu investimento terá um retorno muito menor. Então se não há dinheiro para ativar um patrocínio, o ideal é investir em algo menor e fazer direito. A questão não é dar “visibilidade” a uma marca, mas sim o que se fará com aquela propriedade. Uma parte do caminho vamos trilhar – e há marcas que desembarcarão por aqui fazendo um trabalho world class. O problema, como disse, são as empresas.


A grande solução seria importar profissionais?
Sem dúvida. Estão sobrando profissionais no mundo inteiro, as pessoas que trabalham aqui aprenderão muito. O que não podemos é adotar uma mentalidade xenófoba. Tivemos 20 anos para aprender, e não aprendemos. Agora precisamos aprender em apenas um.


Quais os principais problemas?
Há um balanço excessivo de poder nas mãos dos detentores de direitos de transmissão, sobretudo na TV aberta. Isso prejudica. Há jogos às 22 horas. Outra coisa: tem que ser criada uma liga profissional de clubes para resolver os interesses coletivos, que os unem, como horários, negociação melhor organizada, calendário. Há um desequilíbrio muito grande.


Qual sua opinião sobre os naming rights para os estádios?
Tem que ter. Já ouvi falar que a Globo está fazendo um acordo para usar o nome completo dos estádios em suas chamadas oficiais, mas também ouvi falar que haverá um pacote comercial atrelado ao projeto. Se vier um naming right direito, com contratos de 10, 15 anos, falaremos normalmente, como o restante da mídia deve falar também. Diferente da Copa Libertadores, muito tradicional, que existe há 50 anos e é de interesse público. Não se pode chamar do dia para a noite Copa Bridgestone.

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