quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Jornalismo, enquanto agoniza...



Mora na filosofia: não estou querendo rimar profissão com dor mas tentando entender como o fim de um processo pode se encadear ou começar outro. Hoje mesmo conversando com uma amiga que ocupa posição de comando em uma revista, ontem conversando com dois experientes e grisalhos colegas que se sentem desalentados com o fim do jornalismo, eu só me consolo por notar que não estou só nessa triste percepção.
As demissões se acumulam, os equívocos se sucedem e todos nós perguntamos, estarrecidos, para onde está indo a mídia. A que conhecíamos faleceu e está enterradíssima como bem provam os jornais que fecham e a cada vez mais avassaladora confusão entre jornalismo e show, jornalismo e culto a celebridades inócuas e jornalismo e desserviço e não prestação de serviços.
 
Em linhas gerais as pessoas defendem teses e assumem posições procurando fatos que se encaixem nas suas convicções. Se esta triste escola foi inaugurada por Veja já não importa. O que importa é que se disseminou. São Paulo está acuada pelo crime que expande fronteiras e os grandes meios ou ignoram a questão (fingindo que o barulho é na Síria) ou a tratam como um fato cotidiano, banal. Como se fosse banal 10 jovens da periferia entrarem em um ônibus cheio e “tacarem terror” e gasolina em tudo. 
 
Cada qual descreve a realidade como lhe convém. Os acuados se acuam. Os refrigerados repercutem à distância usando e-mail, google , skype e outros assépticos instrumentos de apuração. Daí me lembro de Ryszard Kapuscinski, que bateu perna mundo afora, sobretudo na África ancestral, e nos trouxe relatos impressionantes e bem escritos de terras e gentes que mesmo que estejam ao nosso lado por vezes não enxergamos. Penso nele quando ainda acredito em jornalismo feito de carne e osso . Em jornalismo real e não virtual.
 
Sete vidas
 
Costumo repetir uma frase bobinha há anos. “Gosto de jornalismo e não de jornalistas”. Antes que o leitor me julgue pedante devo dizer que a frase se contextualiza no sentido de que muitos jornalistas, sempre tão ciosos de sua própria verdade, se tornaram burocratas, acomodados, reclamões. Muitos deles, na contramão da volatilidade que vivemos, querem planos de carreira e aposentadoria, regalias a longo prazo. O espírito de aventura que no passado caracterizou a escolha pela profissão ficou abaixo dos chinelos.
 
Kapuscinski viveu de 1932 a 2007 quando morreu em sua Varsóvia natal. Viveu muitas vidas dentro da vida dele. E parece nunca ter tido a intenção de contar a realidade conforme os olhos de qualquer ideologia ou conveniência mas a simples “vida como ela é”, para lembrar aqui expressão bacana do Nelson Rodrigues. Lendo hoje mesmo um texto de Kapuscinski sobre a China da época de Mao me deparei com uma realidade que já não existe. Mas sua clareza é tão grande que fica como registro literário de um período. O autor é sim a prova (agora morta) de que jornalismo , quando bem feito, vira sim literatura. Ao descrever milhares de ciclistas se movimentando em monobloco como um rio caudaloso nessa China de passado recente ele talvez nos devolva à simples trilha daquilo que o jornalismo tem de melhor: mesmo na época das imagens múltiplas ler uma bela descrição com belo estilo é mais que uma fotografia. Um bom texto respira, transpira, evacua, goza... nosso jornalismo agoniza. Mas acredito que ele tenha sete vidas. Não serei eu a jogar a pá de cal.
 
Por Ricardo Soares, publicado originalmente no Observatório da Imprensa

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