segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Não basta o talento

Há histórias que mostram que talento não é tudo. 


Quem não conhece o caso de um primo ou amigo que poderia ter se transformado em um grande nome do futebol se não fosse pela inflexão dos pais (que não viam naquilo um futuro) ou pela necessidade de trabalhar e se sustentar? Geralmente, o comentário seguinte é “se ele tivesse encontrado um clube que apostasse no seu talento”. E assim, porque não souberam identificar o gênio em campo, o mundo não ganhou um craque pronto para substituir Pelé no panteão dos reis da bola. 

 Talentos surgem em diversos campos de atuação e em todos há casos em que eles não foram bem aproveitados porque o potencial, de fato, não foi percebido. Ou porque foram mal orientados. Em outras ocasiões, o que faltou foi perseverar, esse verbo que soa anacrônico nos dias de hoje, em que as novas gerações não estão expostas às dificuldades que enfrentamos no passado (o avanço tecnológico nos livrou de certas agruras). Por isso, além do talento, existem outros valores que fazem a diferença na vida de um profissional que conquista a admiração de seus pares.

 Perseverança é um deles. Um exemplo disso é a história que ouvi no início dos anos 1990 do técnico Telê Santana (1931–2006), que naquela época comandava o time do São Paulo. Telê tinha consciência que Cafu, o lateral direito de sua equipe, recebia olhares desconfiados de alguns experts do futebol. Reclamava-se que ele não sabia cruzar a bola. “Sei o que falam dele. O que essas pessoas desconhecem é o quanto ele pratica esse fundamento depois que acaba o treinamento. Enquanto os outros vão embora, ele fica aqui”, disse-me. A perseverança de Cafu veio desde o princípio de sua história. Ele passou por nove peneiras, sem sucesso, antes de ingressar no São Paulo, em 1989. O resultado anos depois? Cafu disputou três finais de Copa do Mundo e foi campeão em duas. Um feito difícil de ser igualado. Foi o capitão do penta e é recordista de jogos pela seleção brasileira. Perseverança é valor importante. 

Cafu, o capitão do penta, passou por nove peneiras, sem sucesso, antes de ingressar no São Paulo, em 1989. No clube, sob comando de Telê Santana, praticava cruzamentos depois dos treinos da equipe + Perseverança é valor importante. Cafu, o capitão do penta, passou por nove peneiras, sem sucesso, antes de ingressar no São Paulo, em 1989. No clube, sob comando de Telê Santana, praticava cruzamentos depois dos treinos da equipe Crédito: SXC.HU Outra história que me chamou a atenção para as características de um grande profissional está no entrevistado desta edição, George Bodenheimer, chairman executivo da ESPN. Em 1980, quando a emissora estava começando, ele se candidatou a uma vaga de motorista. Foi contratado. 

E... chegou a presidente. Só isso já lhe confere um poderoso grau de distinção na empresa. Bodenheimer foi motorista e também uma espécie de office-boy. Pelo que contam seus colegas, esse início é motivo de muito orgulho para o executivo. Dessa maneira, pôde conhecer a companhia em profundidade. Sua dedicação à emissora o credenciou a ficar 13 anos na presidência, posto que deixou em janeiro deste ano. Dedicação tão intensa a uma empresa ou a uma marca é algo que engrandece a carreira de qualquer profissional da indústria da comunicação. No mercado, porém, vem surgindo queixas da falta de gente mais dedicada aos projetos em curso. 

Falta comprometimento. Na verdade, há uma discrepância no cenário que dificulta a vida das agências. Explica-se. Os profissionais precisam ser mais completos porque a comunicação se sofisticou. Na luta por encontrar essas pessoas, os salários foram inflacionados. Um executivo de uma agência digital confidenciou-me que estava recorrendo a estrangeiros para compor sua equipe. 

Porque eles são menos conhecidos do mercado. Os conhecidos eram logo convocados por outras empresas. Sem o comprometimento que deveriam ter com o projeto da agência ou com a marca que atendiam, eles partiam, como aves migratórias. Outro executivo, este de uma agência tradicional, disse que a disputa pelos talentos eleva as pretensões até de quem ainda não atingiu o status de “profissional completo” que o mercado tanto quer. Isso quer dizer que a busca pelos nomes talentosos está puxando para cima gente que nem está tão preparada assim para tais postos. Gente que ainda não captou que a dedicação deve ser algo além do que simplesmente engordar o hollerith — ou equivalente. 

E vale um adendo (fruto de outra conversa com um executivo de agência): ter o salário multiplicado por três numa tacada só pode parecer muito bom para quem recebeu a proposta. Mas existe o outro lado da ­moeda. As cobranças aumentam na mesma proporção. É preciso que o profissional se questione se tem condições reais de aguentar essa pressão. *Interina

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