quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Concorrências: no limite do suportável


Agências elevam tom contra os excessos das concorrências e se veem obrigadas a agir, mas as ações práticas ainda parecem distantes


Em um filme sem mocinhos e bandidos pré-definidos, agências e anunciantes entraram, há pelo menos 15 anos, em uma espiral de concorrências predatórias, que têm exigido mais das agências por menos dinheiro. Entretanto, diante de margens cada vez menores, as agências acreditam estar próximas do limite do que podem abrir mão para conquistar contas e, não por acaso, alguns dos principais nomes do mercado demonstraram publicamente insatisfação nas últimas semanas. 

Marcello Serpa, sócio e diretor-geral de criação da AlmapBBDO, criticou a existência de disputas “por contas de R$ 2 milhões com dez participantes”. Ele reconheceu a parcela de culpa das agências, dizendo que “poderiam ser um pouquinho mais criteriosas”, e causou frisson na participação do Festival do Clube de Criação de São Paulo, realizado no início do mês, ao abrir a possibilidade de a Almap rever a posição de não participar de concorrências, se a agência começar a perder grandes clientes.

Em entrevista recente ao Meio & Mensagem, Alexandre Gama, presidente da Neogama/BBH e CCO da rede BBH, disse que “a razão pela qual se faz uma concorrência raramente é a razão pela qual se deve fazer uma concorrência”. Ele acusa que há “falta de vontade política no mercado de realmente agir” para mudar o contexto atual.

O tom elevado dos discursos, no entanto, precisa evoluir para alguma ação mais efetiva como forma de garantir a própria sobrevivência do modelo vigente no mercado. “As agências não podem cobrar muito menos do que já estão cobrando. Chegamos ao limite e já não está sadio para o negócio. Vai chegar o momento, e não está muito longe, que talvez a ideia que defendo há anos passe a fazer algum sentido: as principais agências assinando um documento público dizendo que não participam de concorrências especulativas”, afirma Celso Loducca, presidente da Loducca. 

“Cedo ou tarde, as agências precisarão se juntar e dizer que não topam mais determinadas coisas. Se unir ao competidor será a única solução para continuar competindo”, concorda Márcio Oliveira, vice-presidente da Lew’Lara\TBWA. “Este momento está chegando. O Brasil vai ter muitas oportunidades até 2016 e isso talvez atrase as coisas. Mas acredito em uma revolta geral, por exemplo, no dia em que a Almap decidir participar de concorrências”, completa Oliveira, em referência à declaração pública de Serpa.

Uma das únicas ações práticas pela união das agências até agora é o guia que a Associação Brasileira das Agências de Publicidade (Abap) lançou há um ano, mas que sozinho não conseguiu mudar a realidade vigente já que a entidade não foi capaz de implementar a proposta de monitorar as concorrências da iniciativa privada para evitar excessos. Luiz Lara, presidente da Abap, assegura que, diante de questões como as políticas de sigilo de alguns anunciantes, o manual pode sofrer alterações. 

A ideia inicial, apresentada durante o Encontro Nacional das Agências de Publicidade em 2010, era que a Abap fosse avisada pelas agências da participação em concorrências, podendo assim acompanhar os processos e enviar aos envolvidos cópias do livreto Diretrizes para a Seleção de Agências de Publicidade. 

A solução, naturalmente, passa também por uma difícil mudança de postura dos anunciantes. “Deveria haver um processo de conscientização maior por parte da Associação Brasileira dos Anunciantes (ABA), que já tem um manual de concorrências muito benfeito”, indica Sérgio Guerreiro, sócio da SPGA, consultoria que conduziu próximo de 12 concorrências em 2012 e, atualmente, cuida de um dos maiores processos em curso no mercado brasileiro, o da BR Foods, que engloba todas as marcas da companhia, hoje atendida por DPZ, DM9DDB (ambas dividem a verba de Sadia), NBS (Batavo) e Y&R (Perdigão). 

Entretanto, Guerreiro não se demonstra tão otimista quanto a melhora do cenário atual. “O publicitário é muito sociável, mas tem ações individualistas. Não há um sentido forte de comunidade e isto, de certa maneira, é responsável pela espiral. No passado, com lideranças mais fortes havia o sentido de classe. Seis pessoas se reuniam e tomavam decisões que eram adotadas pelo mercado. Mas, com a fragmentação do mercado e a falta de líderes aglutinadores, isso se deteriorou”, opina.


Transparência reveladora
Ao mesmo tempo em que começam a pensar em uma saída, as agências se deparam com dificuldades para sair da lógica que se estabeleceu: se submetem a receber menos do anunciante, precisam cobrir os custos com novos negócios que, para ser conquistados, demandam mais agressividade nos preços e fazem um mergulho cego na disputa das concorrências. “O esquecimento das melhores práticas provocou prejuízo não só para as agências, mas também para os anunciantes, gerando más consequências ao mercado, com custos inflacionados, desmotivação, esforço inútil, falta de profissionalismo e insatisfação no processo, gerando a ineficácia”, aponta Graziela Di Giorgi, diretora-geral do Grupo Consultores no Brasil. No momento, a empresa cuida de uma seleção de agência de publicidade para BMW, conta que é atendida pela Taterka.

Se há uma concorrência que explicita o que ocorre de bom e de ruim no mercado é a da escola de inglês CNA, encerrada na semana passada com vitória da Giovanni+DraftFCB — que atende a conta da Universidade Cruzeiro do Sul, onde um dos sócios é o fundo de private equity Actis, o mesmo que na terça-feria, 11, fez aporte de US$ 68 milhões na CNA. Entre 1995 e 2006, a agência atendeu o CCAA.

Com um anúncio no Meio & Mensagem, a escola de inglês, até então atendida pela Cheil, tornou pública a concorrência pela prometida verba prevista de R$ 20 milhões. “Quisemos fazer o processo mais transparente possível e as agências participantes elogiaram muito a iniciativa”, frisa Leonardo Cirino, diretor de marketing da CNA. 
Ele acrescenta que buscava uma agência que funcionasse como parceira de negócios e, por isso, foram fundamentais fatores englobando qualidade criativa e planejamento. 

O anunciante, ainda, se reuniu com companhias derrotadas para explicar os critérios. “O processo fica muito melhor quando há esforço dos dois lados”, aponta. Essa transparência ajudou a mostrar, por um lado, a boa vontade do anunciante em tentar conduzir um processo correto, e, por outro, algumas mazelas que afetam todo o mercado. Entre as quais o vício do excesso de agências participantes.


Um anunciante, 114 pretendentes

É notável a quantidade de empresas que se interessaram pela seleção e entraram em contato com a CNA. “Esperávamos receber aproximadamente 30 propostas, mas foram 114”, informa Cirino. “Havia empresas de todos os portes, das maiores às pequenas e de diversas especialidades diferentes”, relembra. 

Embora a conta tenha recebido status de “desejada” graças à estratégia de abertura do processo que deu notoriedade ao anunciante e às perspectivas de crescimento, tanto interesse também pode ser esclarecido pela correria às vezes desenfreada das agências atrás de novas contas. Para se destacar em meio a tantas, as agências apostaram em estratégias que incluíram desde a veiculação de anúncios em resposta ao da CNA no Meio & Mensagem — como fizeram DPZ e Fábrica — até o envio de sósia de Barack Obama à sede da empresa. O anunciante entrou na brincadeira e enviou malas com latas de Red Bull às finalistas. 

Após uma pré-seleção, ressalta Cirino, a disputa ficou restrita a sete empresas, embora fontes apontem que foram 12: BorghiErh/Lowe, David, DM9Rio, DPZ, Fábrica, Lew’Lara\TBWA, Moma, Multi Solution, Rai e Talent, além da antiga parceira Cheil e da vencedora, Giovanni+DraftFCB. 

À espera de fechar com uma agência de médio porte no começo do projeto, Cirino, junto com a equipe, acabou optando, por 0,1 ponto de diferença na nota, pela Giovanni, 16 a maior agência do Brasil segundo o ranking Agências & Anunciantes. “Gostamos muito do processo e só temos a agradecer às agências que contribuíram com insights. Recebemos das finalistas projetos completos de planejamento e próximo de 23 campanhas. Uma delas já trazia sete filmes prontos”, detalha. 


A revelação mostra o alto investimento das agências na concorrência de R$ 20 milhões e demonstra a situação mais do que confortável dos anunciantes nestes processos. 

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