terça-feira, 22 de maio de 2012

A sensível questão dos contratos de imagem

Proposta de responsabilizar agências pelos contratos de direitos de imagem cria polêmica – e corre o risco de ser burlada

Uma das definições do III Fórum da Produção Publicitária, realizado em novembro passado, pretendia resolver a antiga rusga entre produtoras, agências e anunciantes: a gestão dos contratos de prestação de serviço e de cessão dos direitos de imagens de atores e figurantes. A questão é ponto sensível na relação entre as partes, fundamentalmente, por três motivos: vulnerabilidade jurídica à qual as produtoras ficam expostas; demora no pagamento dos atores; e, como pano de fundo, uma sensação latente de pouca transparência de agências e anunciantes em relação às produtoras (entenda mais abaixo).
Por essas razões, o III Fórum sugeriu mudanças nas regras que regem as relações entre produtoras, agências, anunciantes e atores. Pela nova norma, em vigor desde 1º de abril, as agências passariam a ser responsáveis pela preparação e pelo gerenciamento dos contratos de cessão de direitos de imagem do elenco de filmes publicitários, além de terem se tornado as figuras jurídicas a ser acionadas em casos de insatisfação dos atores — as duas atribuições, até então, recaiam sobre as produtoras, que, a partir daí, deveriam cuidar apenas dos contratos referentes à prestação de serviço do ator.
Como efeito da decisão, as grandes agências teriam de cuidar de centenas de novos contratos mensais dentro de casa, além de instaurar controle eficaz do vencimento de cada um deles e dos pagamentos relativos aos direitos de imagem — sobretudo quando os clientes decidirem manter as campanhas em veiculação, ou retomar a exibição, após o prazo contratual inicialmente estabelecido com o elenco.
Fica fácil entender o aumento significativo no volume de trabalho, se imaginarmos que um comercial com cem atores (entre protagonistas e figurantes) gera nada menos que cem contratos. Multiplicado por uma dezena de filmes, número comumente criado todos os meses em agências de grande porte, resultaria em demanda por uma estrutura considerável para dar conta do trabalho, que as agências não possuem. “Essa questão passou a preocupar os RTVs”, reconhece Gilberto Pires, o Gibinha, RTV da DM9DDB. “Passamos a pensar em estruturar uma equipe apenas para coordenar isso.”
Cientes desta necessidade desde a proposta inicial de mudança, as produtoras estabeleceram no III Fórum um período de quatro meses para que as agências se adequarem. A adaptação, porém, não aconteceu e o modo de trabalho se manteve o mesmo: apesar de responsáveis legais, as agências continuaram relegando às produtoras a gestão dos contratos.
Para reforçar a importância dessa modificação nas relações entre as duas partes, a Associação Brasileira da Produção de Obras Audiovisuais (Apro), promoveu um workshop para agências focado nesta mudança no final de março, às vésperas da nova norma entrar em vigor. E deu um novo prazo de 60 dias para que se estruturassem — o período se encerra no início de junho. “Nessa reunião ficou colocada a opção de a produtora ser a interveniente nesse processo”, afirma Gibinha.
Esta questão, na verdade, estava definida desde novembro — e previa que as produtoras fossem remuneradas em 20% do valor do contrato nos casos em que atuassem como intervenientes. Seria uma maneira, inclusive, de incentivar as mudanças, já que as agências economizariam esses 20% caso passassem, efetivamente, a gerir os contratos.
Status quo
A opção de colocar a produtora como interveniente, porém, tende a ser usada como brecha legal para que nada mude. Porque as produtoras podem ser incluídas na gestão dos processos, o mercado tende a relegá-las o trabalho industrial de assinatura de contratos e controle de vencimentos — restando às agências a responsabilidade legal em casos de litígio (algo bastante raro).
Some-se a isso o fato apontado por fontes ouvidas por Meio & Mensagem, sob anonimato, de que muitas produtoras não cobrarão os 20% que lhes cabem como forma de manter o bom relacionamento com as agências. “Não mudou nada no que diz respeito a quem fará o serviço. O que muda é a responsabilidade legal. Para nós é ótimo, senão teríamos de ter pessoas a mais na equipe só para cuidar disso”, afirma, em tom realista, outro RTV que pediu para não se identificar. “Somos os responsáveis diretos pelos direitos de imagem, e as produtoras nos ajudam no processo de renovação.”
Essa tendência a manter o status quo irrita a Apro. “Nada voltou atrás. Isso não é verdade. Estamos dando um novo prazo, de 60 dias, mas isso tem que ser implementado, sim”, diz, em tom de protesto, a diretora executiva da entidade, Sônia Piassa. “Ninguém está se preparando, mas uma hora vamos largar a caneta. E, quem não estiver se preparando, vai sofrer mais”, ameaça Sônia, referindo-se às agências.
Desconforto histórico ronda a questão
As vozes dissonantes sobre a questão dos contratos de cessão de direitos de imagem são consequência de uma rixa histórica — e velada —entre agências e produtoras. Estas, a ponta mais fraca na cadeia do mercado publicitário, sempre sofreram com atrasos de pagamentos por parte dos contratantes. As agências, por sua vez, culpam a demora no recebimento dos clientes. E quem paga por isso — ou deixa de ganhar, mais precisamente — são as produtoras.
Além disso, elas se sentem lesadas pelo fato de cuidar apenas de contratos de baixo valor, como, por exemplo, os de atores desconhecidos e figurantes. Acusam, nos bastidores, agências e anunciantes de concentrarem para si os contratos que envolvem cachês mais altos — isso porque vêem neste tipo de prática uma forma de economizar honorários altos que seriam pagos à produtora caso terceirizassem a negociação com artistas e atores de destaque.
Como efeito colateral, diminuem os orçamentos de filmes publicitários e, consequentemente, o faturamento das produtoras.
Por fim, outro ponto que incomoda o mercado de produção é a vulnerabilidade jurídica à qual as empresas ficavam expostas — esta, a única mudança já efetivada pela proposta do III Fórum.
Até então, as produtoras viravam réus em casos de atores que procuravam a Justiça por discordâncias no desenrolar dos contratos. Quando as campanhas são mantidas em veiculação após o prazo contratual estabelecido, é preciso notificar os atores — eles, eventualmente, não recebiam cachês pela renovação — porque os contratos estavam sob responsabilidade das produtoras.
Há alguns anos, houve casos de produtoras que tiveram de pagar indenizações por filmes de grandes anunciantes que não notificaram e remuneraram os atores pela renovação de campanhas. “Com a proposta, sugerimos que o briefing viesse mais bem definido, para facilitar a compra de mídia. Todos têm que olhar melhor o que estão comprando”, afirma João Paulo Morello, do escritório de advocacia Coelho & Morello, advogado da Apro.
Com a mudança proposta em novembro passado, a esperança do mercado de produção era notar uma mudança das agências, que passariam a concentrar mais responsabilidades e livrariam as produtoras de um trabalho pelo qual eram mal remuneradas — ou sequer recebiam honorários.
Os atores também seriam beneficiados, porque receberiam diretamente das agências. Isso poderia acelerar o pagamento de cachês. Mas, pelo que se vê, apesar de tanta polêmica, pouco (ou nada) deve mudar. E a boa vontade das produtoras deve levá-las a continuar executando o trabalho de gestão de contratos.

 

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