segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Oitava década do Cristo Redentor ganhará um ano de celebração

Estratégia envolve eventos em diferentes setores; Hans Donner criou marca comemorativa




A história do Cristo Redentor nasceu na mente de um jovem padre lazarista: o francês Pierre-Marie Bos que, ao chegar por aqui, em 1859, começou a sonhar com a ideia de plantar no alto da montanha do Corcovado uma estátua de Jesus. Ele chegou a solicitar uma audiência com a princesa Isabel para falar da estátua, nos últimos anos do Império, mas faleceu em 1916 sem ver seu sonho realizado. Deixou, no entanto, uma semente – materializada na forma de um poema.

Foi na gestão de Epitácio Pessoa que tomou vulto a ideia da construção da estátua e muitos acontecimentos se seguiram. A imagem do Cristo – inicialmente uma estátua que segurava nas mãos um globo e apelidada de “Cristo da Bola” – foi discutida em reuniões na Escola Nacional de Belas Artes.


Em fevereiro de 1924, o pintor Carlos Oswald fez diversos desenhos e chegou àquele que serviu de modelo para o monumento do escultor francês de origem polonesa Paul Landowski, membro do Instituto de França e condecorado com a Legião de Honra. Ele foi escolhido pelo arquiteto Heitor da Silva Costa. Era uma missão e tanto: erguer no pico de um monte de 710 metros de altura – o Corcovado – uma obra do tamanho de um edifício de 13 andares, resistente ao tempo, aos fortes ventos, às descargas elétricas comuns ao local. Foram mais de cinco anos – de meados de 1926 a 1931. Para construir o Cristo, foi escolhida a mesma pedra-sabão utilizada por Aleijadinho para esculpir os Profetas no adro da Basílica do Senhor Bom Jesus de Matozinhos, em Congonhas do Campo, Minas Gerais. A estátua ficou com 38 metros no total e peso de 1.145 toneladas.


A última restauração ocorreu em 2010, com o patrocínio da Companhia Vale do Rio Doce em parceria com a Arquidiocese do Rio de Janeiro. Um ano antes, ele foi tombado pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). O Projeto “80 anos do Cristo Redentor”, apresentado recentemente na Arquidiocese do Rio, que administra o Cristo Redentor, divulgou um ano inteiro dedicado ao Cristo, com a realização de diversos eventos em vários setores – de música, gastronomia e moda a cinema e fotografia. O designer Hans Donner criou a logo dos 80 anos do Cristo.


Maravilha do mundo


Há quatro anos a agência Aroldo Araújo liderou uma campanha publicitária que contribuiu para eleger o Cristo como uma das sete maravilhas do mundo. Depois das eleições aconteceu, segundo diz Araújo, o chamado “Efeito Cristo”, com melhorias significativas nos setores de turismo, negócios e da própria imagem do Rio de Janeiro.


A frase “Vote no Cristo. Ele é uma maravilha” ganhou grande repercussão. A campanha conquistou o Prêmio Colunistas e transformou-se em um verdadeiro case de marketing e comunicação integrada, motivando vários públicos: empresários, igreja, trade turístico e a população no Brasil e no exterior. “A criação e mobilização da campanha marcou e deixará marcas para o resto da vida, trazendo-me muitas emoções. O Cristo Redentor é um ícone do Brasil, reconhecido mundialmente”, diz Araújo.


Washington Olivetto concorda que o Cristo Redentor é o cartão-postal do Brasil no Brasil e do Brasil no mundo. “A publicidade às vezes pega o Cristo pra Cristo e o explora mal. Às vezes faz milagres com ele. Recentemente, casamos o Cristo  com o Coliseu de Roma na criação da marca do Momento Itália/Brasil que acontece a partir de outubro. Deu muito certo”, contou.


A designer Ana Couto diz que o Cristo Redentor é um trunfo do Rio de Janeiro e ganhou força para representar uma cidade, uma cultura, um país. Ana diz que o Cristo conquistou espaço no imaginário global independentemente de qualquer religião. E que, apesar de ser uma imagem-símbolo cristã, está acima do bem e do mal. “Nosso Cristo faz jus ao nome, é um verdadeiro redentor em todos os sentidos: da cidade partida, cheia de altos e baixos, da violência urbana. Ele, como símbolo da cidade, abençoa todos nós, sem distinção de raça, religião, classe. Ele acalma os sentidos com suas formas simples e presença absoluta. Será que ele se adequou à cidade ou o Rio virou esse lugar abençoado por tê-lo? Quem nasceu primeiro? Neste caso nós sabemos que foi a cidade, mas nosso símbolo trabalha para fortalecer o que temos de mais genuíno, uma cidade que acolhe, que está de braços abertos para as pessoas e para a natureza. O que nos resta agora é fazer jus a essa benção”, afirma Ana.


Fred Gelli, designer que desenvolveu a marca das Olimpíadas e que acabou escolhendo o Pão de Açúcar como ícone, diz que pensou no Cristo Redentor quando fazia o trabalho de pesquisa para definir o ícone da paisagem carioca para abordar na marca olímpica. Mas que uma expert em iconografia carioca teria alertado que o Cristo é um símbolo que a igreja não permite que seja usado em marcas, apesar da enorme variedade de referências feitas a ele em identidades variadas, de loja de roupa a casa de sucos. O parecer da especialista apontava como ícone mais reconhecido internacionalmente o Pão de Açúcar e acabou mandando para o lixo algumas alternativas de marcas que Gelli havia criado usando o Cristo como elemento. “Independente das escolhas estéticas da escultura, é quase surreal um endereço como o do Cristo Redentor, no alto de uma montanha vestida pela Mata Atlântica, de frente para a Bahia de Guanabara, e no meio da cidade!”, comenta Gelli.


Polêmicas


De fato, usar o Cristo em projetos de ordem comercial pode ocasionar problemas com a Arquidiocese do Rio de Janeiro, que hoje administra o Cristo e que recentemente travou uma disputa com a família do escultor Paul Landowski, falecido em 1961. A família quer participação no uso da imagem, uma vez que, segundo alega, não há qualquer documento que comprove que Landowski teria cedido os direitos autorais de sua obra a terceiros. Já a Arquidiocese não concorda com essa versão.


Outra polêmica envolvendo o Corcovado é o controle e a administração do parque que cerca a estátua. Atualmente quem administra a área é a União através do Ibama, mas a precária administração já resultou até em desvios de verba. A Prefeitura do Rio de Janeiro e o Estado do Rio de Janeiro entraram na briga pela administração do parque, ainda sem sucesso.


Embora não cobre pelo uso da imagem do Cristo, considerada obra pública pertencente à Prefeitura e cartão-postal da cidade sem qualquer direito autoral, a Arquidiocese zela pelo seu uso responsável. Já entrou inúmeras vezes com pedidos de retiradas de peças publicitárias que utilizassem a imagem indevidamente. Já interferiu em desfile de escola de samba, tirou campanhas publicitárias do ar e mantém-se atenta para preservar a imagem. A Igreja permite que a imagem seja usada apenas em propagandas institucionais (do município, do estado ou do governo federal) ou de turismo.


Em 1989, o carnavalesco Joãozinho Trinta acabou provocando um dos episódios mais conhecidos da briga “igreja versus arte”, quando tentou levar uma réplica da estátua do Cristo Redentor para a Marquês de Sapucaí, em um desfile da Beija-Flor de Nilópolis. A Arquidiocese quase processou o jogador uruguaio Loco Abreu quando este gravava um comercial para a Pluna no Cristo Redentor e chutou três bolas em direção à estátua alegando querer dar um “lençol” na estátua.


Nem Ronaldo Fenômeno escapou da reprovação de Dom Eugênio Salles. Em 1998, o jogador apareceu em um comercial da fábrica de pneus Pirelli imitando a estátua sobre o Morro do Corcovado. Na época jogando pelo Internazionale de Milão, Ronaldo posou para a campanha da Pirelli com a camisa 10 do time, descalço e com os braços abertos em uma montagem fotográfica sobre a Baía da Guanabara. O arcebispo concordou que a intenção de Ronaldo não era ofender a Igreja Católica, mas disse que a empresa passou dos limites e deveria se retratar publicamente.


Em julho de 2001, durante os desfiles da 8ª Semana BarraShopping de Estilo, os donos da Salinas, Antônio e Jacqueline De Biase, tiveram que se desculpar com o então arcebispo do Rio, Dom Eugenio Sales, depois de ele ter entrado com uma queixa-crime pelo uso da imagem do Cristo Redentor na estampa de maiôs e biquínis da grife. Na ocasião, o advogado da Arquidiocese alegou que as peças afrontavam a dignidade da pessoa cristã e correspondiam a um crime previsto no artigo 208 do Código Penal Brasileiro: vilipendiar publicamente uma imagem religiosa. A Peugeot também quis usar a imagem da estátua em outdoors para anunciar a escolha da Cidade Maravilhosa como sede da montadora, mas houve um pedido da Arquidiocese para que a representação do monumento não fosse utilizada.


por Claudia Penteado

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