quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Quem tem medo do Face?



  Andrew Keen esteve no Brasil, semana passada [retrasada], para divulgar seu novo livro, #vertigemdigital, publicado pela Zahar. Ele é um dos mais conhecidos algozes da internet. Em seu primeiro livro, O Culto do Amador, também publicado pela Zahar, Keen defendia que a cultura contra o trabalho de profissionais que existia na rede poderia causar danos graves à sociedade. Seu inimigo do momento são as redes sociais. A tese que defende é a de que estamos abrindo mão de nossa privacidade sem sequer nos darmos conta das consequências que virão.

 
Privacidade é daquelas coisas que, intuitivamente, nos parecem importantes. Mas todos temos dificuldade de explicar por quê. Não bastasse, privacidade é coisa fluida. Quando um finlandês pergunta ao outro qual seu salário, ele ouve uma resposta de pronto. Ninguém vê motivo para ser discreto. Numa praia árabe, as áreas entre homens e mulheres são separadas por paredes, e mesmo na ala feminina elas se cobrem todas. Alemães vão à sauna mista nus sem que qualquer conotação sexual exista. Os mesmos alemães se insurgiram quando o Google decidiu publicar, no Street View do seu sistema de mapas, fotos das ruas que incluem, naturalmente, as fachadas das casas. Foto da casa vista da rua, por lá, é coisa privada.
 
O que é privado e o que é público varia de cultura para cultura, mas em todas existe privacidade. Charles Fried, um jurista de origem tcheca que foi advogado-geral dos EUA [correspondente a ministro da Justiça] durante o governo de Ronald Reagan, tem talvez a melhor definição. Privacidade é o que define nossas relações. Os graus de intimidade que temos com as pessoas. Com aqueles mais próximos de nós, compartilhamos detalhes os mais íntimos. A partir daí, vamos impondo discretas barreiras entre nós e amigos de escola, colegas de trabalho, parceiros de pelada. Nossa capacidade de gerenciar a informação sobre nós que os outros têm define como convivemos em sociedade. Privacidade é importante por isso. Porque se nossa vida é um livro aberto, nada nos protege do mundo lá fora.
 
Privacidade redefinida
 
Não é que Keen estivesse errado em sua crítica ao culto do amador, no primeiro livro. Estava certo. Mas, se a ameaça existiu, ela se desfez com o próprio avanço tecnológico. Música não era cobrada, com a loja iTunes da Apple artistas voltaram a receber pela venda de suas obras. Livros eletrônicos revelam uns poucos novos autores profissionais e a massa amadora continua no vácuo, quase nunca sendo lida. Inúmeras revistas tradicionais estão vendendo, e bem, edições eletrônicas para o tablet, caso da americana New Yorker e da britânica The Economist. A ameaça de um mundo no qual produção profissional deixaria de ser remunerada num mar de amadorismo não parece que vai se concretizar.
 
Não é que Keen esteja errado quando aponta o risco da ausência de privacidade. Seu argumento é bem construído. Como ele próprio diz, estar ausente do Facebook não é uma opção para um número grande de pessoas. Quando todos seus amigos estão na rede social, sua ausência é um afastamento dos laços sociais. Quanto mais jovem o usuário, maior a pressão. Mark Zuckerberg, o fundador do Facebook, não é o único no Vale do Silício que repete o mantra: a privacidade acabou, só você que não viu. Só que não é totalmente verdade e Zuckerberg é a prova disso. Quando decidiu se casar, ninguém soube até o dia em que ele próprio achou por bem tornar público. Busque na internet: de que músicas ele gosta? De que livros? Em que restaurante costuma jantar? Com que amigos bebe cerveja ou vinho quando é sábado?
 
A maioria dos empresários do Vale do Silício são pessoas reservadas. Talvez seja fácil encontrar suas casas, quase todas em Palo Alto, no Google Maps. Vez por outra sai por aí a foto de um deixando o Whole Foods com uma sacola de verduras frescas. Mas a turma de Hollywood, uns quilômetros ao Sul, parece ser mais evidência de que a privacidade está em risco do que os inventores das novas tecnologias. E, no caso de Hollywood, aquela privacidade está sob ameaça desde que há cinema. Há riscos sim, e concretos, para nossa privacidade. O mais provável, no entanto, é que privacidade será redefinida. Como? Excelente pergunta.

Texto de Pedro Doria tirado do Observatório da Imprensa

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