quinta-feira, 14 de junho de 2012

Opinião: O monge e o publicitário

Toda religião compete no mercado consumidor de fé pela sua mente e pelo seu bolso 

*Por Rodrigo Leão
Meu melhor amigo de adolescência se tornou um mestre budista e eu me tornei publicitário. Enquanto ele passa os seus dias pregando o desapego do mundo material, eu passo os meus convencendo as pessoas a comprar coisas.
Matthew mora em Nova York, onde ensina a sua tradição religiosa. Eu comando uma agência em São Paulo onde tento vender produtos e serviços para consumidores diversos. Mesmo depois de muitas curvas na vida, continuamos tendo muito em comum.
Primeiro porque, curiosamente, trabalhamos com a mesma matéria-prima: o desejo. Ele tentando libertar as pessoas dos seus e eu atiçando o desejo das pessoas por um determinado treco ou certa coisa.
Os budistas tibetanos da Tradição Kadampa, que ele ensina, acreditam que os desejos, fruto da nossa mente confusa, nos impedem de existir na felicidade plena, exercendo a compaixão e o amor de que apenas nós somos capazes. Mas para convencer as pessoas disso, sabe o que eles acabam fazendo: publicidade.
No caso deles, a propaganda é feita na forma de aulas de meditação, palestras e grupos de estudo que servem para mostrar aos consumidores de budismo que podem escolher entre várias tradições, que o Budismo Kadampa é o caminho certo para suas vidas.
As religiões, de fato, são expressões narrativas que nos ajudam a tentar entender e suportar as agruras da vida. Fazem isso contando histórias e apresentando exemplos das atitudes e comportamentos que, acreditam, nos conduzirão a uma vida melhor. Toda religião compete no mercado consumidor de fé pela sua mente e pelo seu bolso.
Pois bem, o nosso trabalho como publicitários, quando benfeito, é muito parecido. Criamos uma narrativa cultural para as marcas de forma que seus produtos, em vez de simples objetos, representem aos nossos olhos um conjunto de valores e atitudes com os quais podemos nos relacionar de forma a dar um sentido positivo para nossas vidas.
No mercado globalizado em que vivemos as empresas competem principalmente em duas modalidades: por valor ou por preço. Nenhuma patricinha sabe distinguir tecnicamente o que leva uma bolsa de R$ 30 mil da Prada a ser R$ 7 mil menos valiosa do que uma bolsa de R$ 37 mil da Chanel. Chanel e Prada estão na disputa de valor. Seus consumidores não conseguem entender a composição de preços de seus produtos exclusivos. Pagam para fazer parte daquele conjunto de valores que admiram. O mesmo vale para Rolex ou IWC. Adidas ou Nike. Se você soubesse o quão pouco do preço do seu tênis de corrida é gasto para fazer o seu tênis de corrida, desistia de correr. Essas empresas são poucas e muito boas.
Já as cadeias de fast-fashion concorrem por preço e o seu modelo de negócios não permite outra atuação. Uma blusinha que está na moda está na moda na C&A, na Renner ou na Riachuelo. Todas vão estar na moda e nenhuma é diferente o suficiente da outra para poder ser mais cara.
Hoje, os países desenvolvidos consomem tanto que se todo mundo no mundo tivesse o padrão de vida europeu precisaríamos de seis planetas Terra para dar conta da produção e do lixo, ou seja, a conta não fecha. Isso sinaliza que no futuro, obrigatoriamente, consumiremos menos e com muito mais critério. Concorrer por preço ficará cada vez mais difícil. Os vencedores terão de aprender a concorrer por valor. E para isso vão precisar de agências capazes de criar narrativas valiosas e envolventes, que se tornem práticas reais e que ajudem empresas a criar um sentido cultural para seus negócios e experiências valiosas para a vida dos seus consumidores. Num mundo onde não é possível consumir mais, teremos de aprender a consumir bem.
Uma religião tenta organizar seu comportamento para que você leve uma vida mais feliz, seja salvando-o de seus desejos ou levando-o ao paraíso. Nosso trabalho como publicitários é fazer o mesmo pelas empresas. Tanto o monge quanto o publicitário têm a mesma missão: inventar um sentido belo, positivo e produtivo para nossa breve passagem por este mundo.
 

Rodrigo Leão, sócio-diretor da Casa Darwin, escreve para Meio & Mensagem uma vez por mês. Este artigo foi publicado originalmente na edição 1513, de 14 de junho.

 

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