quinta-feira, 15 de março de 2012

Piercing nos velhinhos

A observação de alguns movimentos recentes da mídia tradicional brasileira permite constatar um esforço coletivo do setor, embora difuso, para enfrentar o desafio da decadência anunciada com as mudanças tecnológicas e os novos comportamentos do público.


O Estado de S. Paulo, que há menos de um mês rompeu seu contrato com a agência Y&R, prepara estratégia para renovar sua imagem, diante da movimentação do principal concorrente, a Folha de S. Paulo, que estreou no último domingo um programa na TV Cultura.

O grupo Globo, que já vinha mudando o estilo de seus principais telejornais para adotar um padrão mais “popular”, oficializa sua opção pela nova classe C em toda a programação e no seu principal jornal. Um dos pontos cruciais no fenômeno da mobilidade social no Brasil é o maior protagonismo dos jovens adultos.

Nem tudo são êxitos: a estreia da Folha na programação da TV aberta não foi exatamente o sucesso anunciado pelo jornal. Ao se referir ao solitário ponto de audiência obtido no domingo (11/3), o jornal omite o fato de que seu ingresso na programação alterou os números da TV Cultura em apenas 0,3 ponto percentual, o que representa cerca de 60 mil domicílios a mais em relação à pontuação de 0,7% de audiência que a emissora estatal costuma ter para o horário.

À beira do ridículo

É preciso considerar que essa operação recebeu ampla divulgação nos dias anteriores, o que incluiu anúncio de página dupla na própria Folha no domingo. Além disso, o cardápio apresentado aos telespectadores tinha alguns atrativos de grande interesse, como a volta de Chico Buarque aos palcos, o caso da Cracolândia e entrevista com o especulador Naji Nahas, personagem central na desocupação do bairro Pinheirinho, em São José dos Campos.

Será interessante acompanhar a participação da revista Veja, nas noites de terça-feira, e as anunciadas estreias do Estado de S. Paulo e do Valor Econômico em programas específicos na TV Cultura, para analisar o resultado dessa estratégia nos indicadores de leitura dos jornais.

Pelo que tem sido divulgado, não há restrições estatutárias ou legais que impeçam a emissora educativa do estado de São Paulo de fazer parcerias como as que estão sendo produzidas com empresas privadas de comunicação.

Mas há alguns elementos periféricos a serem considerados, como a possibilidade de instrumentalização política da programação da emissora e seu uso para a editorialização de questões controversas.

Por outro lado, é interessante analisar os movimentos que a imprensa tradicional tem feito para se adaptar aos novos hábitos de consumo de mídia, principalmente por parte do público mais jovem.

Na programação apresentada pela Folha na TV Cultura podia-se notar que o esforço por imitar certo estilo MTV em alguns quadros andou beirando o ridículo, como na reportagem sobre irregularidades no uso de caçambas na capital paulista, com entrevistas, aos gritos, improvisadas nas ruas. O estilo já é usado pela Globo nojornalismo local, com a atuação histriônica do repórter Marcio Canuto.

Em busca do público perdido

Chega a ser estimulante imaginar o que faria a revista Veja ou o vetusto Estadão para se apresentarem a esse público.

Não custa lembrar que, há duas décadas, quando o jornalão paulista tentou se renovar para enfrentar o crescimento do seu maior concorrente, a Folha saiu-se com um anúncio no qual o Estadão era mostrado como um senhor idoso de cabelos azuis.

Além disso, a sigla MTV já não representa o público jovem há pelo menos vinte anos.

A rigor, o que se percebe é que a imprensa tradicional não tem modelos a copiar e não se mostra capaz de criar sua própria solução para o desafio de se manter relevante num cenário mutante em que o próprio conceito de público parece estar em transformação.

O que seria, de fato, o chamado espaço público na circunstância em que milhões de indivíduos, deliberadamente, abrem sua privacidade à curiosidade alheia?

Por outro lado, que valor passa a ter a informação supostamente privilegiada como o produto jornalístico, no cenário difuso em que praticamente tudo é notícia?

Nessas circunstâncias, a única abordagem possível de qualquer instituição que tenha interesse em se destacar deve começar pelo reconhecimento da nova complexidade inerente ao ambiente midiático.

Acontece que a imprensa tradicional é uma estrutura rígida, não um sistema adaptável. Não estando disposta a se deixar conduzir pela dinâmica social mais complexa, resta-lhe pouco mais do que aplicar uns piercings em seus modelos envelhecidos.

Por Luciano Martins Costa - reproduzido do Observatório da Imprensa

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