segunda-feira, 13 de junho de 2011

Etanol brasileiro pode ser canavial de promessas

A última alta foi a gota d’água. Do início da entressafra de novembro passado até março deste ano, o aumento do preço do etanol para o consumidor provocou uma queda de 40% no consumo. Depois de décadas de paralisia, no mês seguinte o Governo reagiu e transformou a classificação da substância de "produto agrícola" em "combustível". A medida permite que a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis ­ ANP ­ passe a regular a comercialização e a estocagem do produto. “Nossa missão será garantir o abastecimento e acompanhar todas as etapas do processo” reiterou Haroldo Lima, diretor-geral da ANP.
 
A escassez sazonal provocada pela entressafra da cana-de-açúcar sempre foi apresentada como a causa do aumento de preço do etanol. Mas as oscilações da natureza não explicam a gangorra dos preços, que revelam a falta de uma política estratégica para o setor energético. A crise no setor tornou-se ainda mais grave com o aumento da demanda de combustíveis puxado pelos aumentos recordes na venda veículos no Brasil. Nesta última entressafra, a falta de estoques reguladores revelou a fragilidade da cadeia produtiva do combustível e ameaçou a expectativa de expansão da economia.
 
De um lado, os plantadores e usineiros se sentem atraídos pelas vantagens econômicas da opção pela conversação da cana-de-açúcar em açúcar em vez de etanol. Do outro, o governo ainda avança timidamente na regulação do setor. Esse contraste deu o tom dos debates da terceira edição do Ethanol Summit, congresso que reuniu empresários do setor, pesquisadores e representantes do governo no início do junho em São Paulo. O evento discutiu o futuro dos biocombustíveis e as potencialidades ­ e fragilidades ­ do etanol na construção de um novo projeto de matrizes energéticas renováveis e limpas para o país.
 
Para que a produção de etanol desponte, é fundamental que haja um compromisso mútuo entre governo e iniciativa privada”, afirmou o ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, que representou a Presidenta Dilma Rousseff. De acordo com o ministro, a diversificação da matriz energética, por meio do incentivo à produção de etanol, não só compensaria a escassez das matérias-primas fósseis como colocaria o Brasil na vanguarda da preocupação com o meio ambiente e a qualidade de vida.
 
A garantia de investimentos precisa abranger incentivos fiscais e políticas de concessão de crédito, para que os produtores se engajem na ampliação das áreas cultivadas. A liberação de crédito por meio dos bancos oficiais, como Caixa Econômica e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), é uma das principais reivindicações do setor. Os produtores também reclamam da ausência de uma política federal que beneficie os combustíveis renováveis e menos poluentes ­ e que poderia propiciar a expansão de toda a cadeia.
A colheita de cana-de-açúcar no Brasil pode dobrar até 2020 se os investimentos necessários no setor começarem agora”, avaliou Phil New, presidente da BP Biocombustíveis, braço "natureba" da British Petroleum. O aumento da demanda energética e o esgotamento dos estoques naturais de petróleo tendem a se agravar, o que evidencia a necessidade de que as iniciativas para expandir o mercado de etanol sejam imediatas.
 
As estimativas do setor energético apontam que petróleo, gás e carvão continuarão como fontes primárias, mas a opção por alternativas viáveis só será possível por meio de investimentos tecnológicos. “Precisamos ampliar nossos horizontes para os biocombustíveis, energias solar e eólica, biomassa e outras soluções renováveis”, resumiu Miguel Rosseto, presidente da Petrobras Biocombustíveis. As pesquisas e o desenvolvimento de tecnologias relacionadas aos biocombustíveis já existem no Brasil, por instituições como a Petrobras, Esalq-USP e COPPE-UFRJ. Porém, ainda não há um compartilhamento eficaz dos resultados encontrados.
 
A eficácia energética do etanol esbarra, necessariamente, no desenvolvimento de tecnologias que tornem o combustível mais competitivo. A eficiência dos motores movidos a etanol, por exemplo, não apresentou avanços significativos nas últimas décadas, enquanto que os motores movidos a gasolina ou diesel agregaram desempenho e inovação. “É mais barato e eficiente aperfeiçoar o que já existe", sintetizou Jonas Stromberg, diretor de Sistemas Sustentáveis da Scania. O etanol responde por 90% dos biocombustíveis produzidos atualmente no planeta.
 
A expectativa em torno da expansão do mercado trouxe as discussões para as deficiências estruturais que encarecem e prejudicam os investimentos no Brasil. E não se trata apenas da deficiência em logística e sistemas de estocagem. Há déficit na formação de profissionais. “Os empresários brasileiros têm capital para investir e estão interessados no mercado de etanol”, afirmou Marcos Lutz, presidente do Grupo Cosan, empresa do ramo sucroalcooleiro que controla as distribuidoras Shell e Esso.Outra reivindicação dos usineiros é que a construção do alcoolduto de 850 quilômetros, parte do Sistema Integrado de Transporte de Etanol, seja finalizada. O primeiro trecho, de 206 quilômetros, teve suas obras iniciadas em novembro de 2010 e está previsto para entrar em operação em janeiro de 2013. Essa primeira etapa em São Paulo ligará Ribeirão Preto, no Noroeste do Estado, a Paulínia, no Nordeste. A obra total irá transportar etanol por meio de 80 barcaças e 20 empurradores, interligando as regiões produtoras do Centro-Oeste aos portos de escoamento de São Paulo e do Rio de Janeiro. O alcoolduto, com investimentos de R$ 5,7 bilhões, terá capacidade para escoar 21 bilhões de litros de etanol por ano ­ cerca de 75% da atual produção do combustível por ano.
 
 “Não haverá apenas uma alternativa para a escassez de petróleo, mas a cana-de-açúcar é a melhor solução, não apenas na produção de etanol, mas também na conversão em biomassa e bioeletricidade. Mas tudo isso requer estudos, pesquisas e testes”, argumentou Mark Gainsborough, vice-presidente de Energias Alternativas da Shell. Contudo, as incertezas acerca do alcance e da validade dos investimentos aplicados no setor levantaram algumas críticas de outros envolvidos no mercado energético. “As grandes companhias energéticas pesquisam, mas não o suficiente. E não inovam nem assumem riscos de investimentos em outras soluções e produtos”, ironizou Vinod Khosla, presidente da Khosla Ventures, empresa do setor de tecnologias limpas.
As promessas do setor pretendem romper todos os impedimentos do mercado, como a volatilidade de preços por causa da entressafra na colheita da cana-de-açúcar e a carga tributária onerosa. “Até 2020, precisaremos investir mais de R$ 80 bilhões para que a capacidade de expansão do setor seja atingida. O único jeito de fazer isso é planejando as ações e aplicando corretamente os investimentos”, concluiu o empresário Bruno Melcher, presidente da LDC-SEV, companhia brasileira que produz e processa cana-de-açúcar.
 
Instantâneas
# O uso atual do etanol é como combustível automotivo. Mas o produto também poderia ser destinado para aviação e para a produção de químicos e solventes industriais.
# A bioeletricidade ­ energia limpa extraída a partir do bagaço e da palha da cana ­ tem potencial para gerar mais de 13 mil Mw de energia, o que equivale a três usinas de Belo Monte. 
# A safra de 2010/2011 produziu 640 milhões de toneladas de cana-de-açúcar. A produção de etanol atingiu 27 bilhões de litros.
 
# A cana-de-açúcar rende 7,5 mil litros de etanol por hectare, e a colheita ocorre ao longo de oito meses. A beterraba, matéria-prima do etanol europeu, produz 5,5 mil litros por hectare e pode ser colhida durante cinco meses por ano. O milho, que se transforma no etanol norte-americano, tem produção de 3,5 mil litros por hectare, e é colhido em três meses por ano.
 
# Para abastecer a frota total de veículos flex que circulam no Brasil só com etanol seriam necessários 50 bilhões de litros por ano.
 
De olho nos pesados
 
Outro destaque do Ethanol Summit 2011 foi o enfoque na sustentabilidade do transporte público realizado com ônibus. Afinal, trata-se do meio de locomoção diário de 50 milhões de brasileiros. A ideia dos especialistas e pesquisadores é simples: aperfeiçoando o transporte público, diminui-se a necessidade de utilização cotidiana dos veículos leves e, consequentemente, reduz-se a emissão dos gases poluentes causadores do aquecimento global.
 
Um transporte mais limpo significa aumento na qualidade de vida e mais respeito ao meio ambiente. É a garantia de um futuro melhor”, defende o pesquisador Paulo Saldiva, da USP, especializado em poluição atmosférica. A presença do gerente da Empresa de Transporte Público de Estocolmo, Lennart Hallgren, confirmou que a utilização do etanol no transporte em massa é possível. Até 2012, metade dos ônibus que rodam na capital sueca serão movidos a etanol, garantido sustentabilidade e economia a longo prazo, a partir da redução de gastos do governo com o setor de saúde pública, por exemplo.
 
Já temos 660 ônibus movidos a etanol ­ 32% da frota. E metade do combustível que utilizamos vem do Brasil”, afirmou Hallgren. O exemplo de Estocolmo já está repercutindo por aqui. A frota de coletivos da Grande São Paulo já roda com 50 unidades movidas a etanol, que emitem 90% menos de gás carbônico e não liberam óxido de enxofre. A medida é um passo discreto quando confrontada com a lei municipal 14.933, de junho de 2009, que exige a substituição total da frota ­ estimada em 15 mil veículos ­ por ônibus que utilizam combustíveis renováveis até 2018.
 
Um convênio entre os envolvidos no projeto garantirá, inicialmente, a equalização subsidiada do preço do etanol até 2013. Ou seja, mesmo nos períodos de entressafra da cana-de-açúcar, o usuário final não irá arcar com os aumentos”, explicou Christopher Podgorski, vice-presidente da Scania América Latina, empresa responsável pelo desenvolvimento dos motores movidos a etanol. Outras metrópoles brasileiras, como Rio de Janeiro e Belo Horizonte, já demonstraram interesse em adquirir os ônibus menos poluentes.

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