sexta-feira, 3 de junho de 2011

Classe C aquece turismo e ajuda a impulsionar alta do PIB

Nos primeiros anos de casamento, os filhos eram pequenos, o dinheiro era curto e a tão sonhada lua de mel teve de ser adiada. Vinte e nove anos depois, o casal Pereira sentiu que a situação financeira estava melhor e que as bodas ainda mereciam ser comemoradas. Para compensar as quase três décadas em que o passeio ficou suspenso, Wilson, 50 anos, e Rosa, 49, querem agora percorrer os nove estados do Nordeste brasileiro.Há três semanas, a família voltou de sua segunda viagem à região. Depois de passar por Maceió no ano passado, o destino do casal desta vez foi Natal. “Antes a gente não tinha condições, mas agora já conseguimos guardar um dinheiro e parcelar as viagens em várias vezes, o que facilita”, contou Pereira, que trabalha em uma cooperativa de transportes na capital paulista.


Para o próximo ano, os Pereira disseram estar dispostos a gastar mais. Em sete dias, o casal pretende conhecer Fernando de Noronha e João Pessoa, destinos improváveis não fossem as condições de crédito oferecidas pelo mercado à classe C, da qual Pereira acredita fazer parte. “Viajar está mais fácil para todo mundo. É só você ver como as agências de viagem e os aeroportos estão sempre cheios” avaliou.

Com emprego fixo há dois anos, Roseli Barrena “criou coragem” para financiar sua primeira viagem de turismo, com destino a Salvador, na companhia de seus dois filhos, há poucos meses. Pagou três pacotes de R$ 3.300 no maior número de parcelas que a operadora oferecia.
“Vou tirar férias e realizar um sonho meu e dos meus filhos, que ainda dependem de mim. Nosso passeio vai ser parcelado em dez vezes. Se fosse à vista, como era há pouco tempo, não seria possível, mesmo”, disse Roseli, funcionária do setor de limpeza e conservação de um shopping em São Paulo. Para não se perder nas contas mensais, Roseli prevê que terá de fazer algumas economias, “mas tudo isso vale a pena. Agora é um sonho possível”.
Crescimento da economia
O acesso dessas famílias ao turismo, que há pouco mais de um ano não era tão amplo no país, tem contribuído não só para o reaquecimento do setor, mas para o crescimento da economia brasileira, impulsionado, principalmente, pelo consumo das famílias, que, em 2010, subiu pelo sétimo ano consecutivo. Resultado que o governo atribui ao aumento dos salários e à maior oferta de crédito para as pessoas físicas.
Nesta sexta-feira (3), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) anunciou que o crescimento da economia no primeiro trimestre deste ano foi de 4,2% sobre o mesmo período do ano passado. Nesse tipo de comparação, a despesa de consumo das famílias cresceu 5,9% - 30ª variação positiva seguida. Segundo o levantamento, o resultado pode ser explicado pelos aumentos da massa salarial real e pelo saldo de operações de crédito do sistema financeiro com recursos livres para as pessoas físicas.

De acordo com dados do Ministério do Turismo, o setor tem respondido por aproximadamente 3,6% do PIB nacional. Desse total, 85% são receitas geradas pelo turismo doméstico. Ainda conforme números do levantamento, de 2002 para 2010, os desembarques nacionais subiram de 23,9 milhões para 67,6 milhões. No acumulado do ano, de janeiro a abril, o número de desembarques nacionais já chega a 25,2 milhões - 19,7% superior ao registrado no mesmo período do ano passado.
Para o ministro do Turismo, Pedro Novais, o número mostra a importância “vital” para a saúde da economia brasileira. Segundo ele, a forte expansão do setor no primeiro semestre aponta para crescimento de, no mínimo, 10% para este ano. “O primeiro semestre positivo mostra que estamos no caminho correto”, disse o ministro, em entrevista ao G1.

De acordo com o ministro, para o ritmo de expansão do turismo se manter nesta proporção, o governo tem feito importantes investimentos em todo o país. Mesmo assim, ele não descarta o peso da Classe C nesta conta. “Ainda não temos uma avaliação específica, mas é nítida a importância dos 30 milhões de brasileiros que passaram das classes D e E para a C. É só observar a quantidade de pessoas nos aeroportos”, destaca Novais.

“Sessenta e seis por cento do PIB [Produto Interno Bruto] é consumo. Pesa 2/3 do PIB. E tem uma parte do consumo que é serviço, que não depende tanto dos juros, depende mais do emprego. E o mercado de trabalho está muito bem. Estamos com mínimas de desemprego históricas”, disse Luiz Rabi, gerente de indicadores de mercado da Serasa Experian.
Adaptação do mercadoDiante do aumento da renda da população e do consequente avanço da demanda por viagens de turismo, puxado pela classe C, o mercado já começa a se adequar a esse público para garantir a prosperidade de seus negócios. Em Belo Horizonte, a operadora Master Turismo conta com unidades em locais específicos para atender a esses clientes, que, por enquanto, buscam destinos domésticos, com duração de 7 dias e preço chegando a R$ 1.000.

“Está havendo uma evolução muito grande no turismo e estamos atentos a isso. O que observamos é que quem entrava em férias e ficava em casa porque não tinha crédito agora viaja para o Nordeste do Brasil e paga o passeio, na maioria das vezes, durante o ano inteiro. Turismo não é mais negócio para quem tem muito dinheiro, e as pessoas estão dispostas a gastar mesmo”, disse Fernando Dias, diretor-presidente da empresa. Na sua companhia, o perfil dos clientes que passaram a viajar é variado: de recém-casados a idosos.
O gerente comercial Moisés Fernandes Inácio Sobrinho, 30 anos, é um dos clientes da agência mineira que já trocou as viagens que fazia a Porto Seguro de ônibus por as de avião. “Antes as condições oferecidas pelas operadoras, o crédito...era tudo mais limitado. Agora, com essas formas de financiamento disponíveis, conseguimos nos programar melhor”, justificou.

Embora não haja dados oficiais sobre a participação da classe C no turismo brasileiro, os empresários começam a sentir, na prática, o efeito que o aumento do número de consumidores dessa faixa de renda está provocando.
"Para classe C, viagem aparece como uma das prioridades de consumo, depois de casa e carro. Você vê que fazer turismo se tornou prioridade para a classe C, porque teve aumento na massa de renda", atesta Luciana Aguiar, da Plano CDE, consultoria e com foco nas classes C, D e E.
R$ 1.000 em dez vezesSócio da Montreal Turismo, em Brasília, Moacir Marcomini disse ter percebido que alguns hotéis começam a reajustar seus preços diante do crescimento da procura por hospedagem, especialmente por consumidores da classe C. “O preço das tarifas dos hotéis aumentou entre 10% e 15% de um ano para cá. É resultado do crescimento da demanda, que ficou nessa ordem, de 10% a 20%. É um processo que estamos observando nos últimos dois anos, mas que têm se intensificado ultimamente”, afirmou.

Na avaliação do diretor de Assuntos Internacionais da Associação Brasileira de Agências de Viagens (Abav) Leonel Rossi Junior, embora a classe C esteja despertando a atenção do mercado, os consumidores das classes A e B ainda respondem pelo maior volume de gastos do setor. “O que nós percebemos é que, mais do que pacotes, os consumidores estão procurando as agências para comprar passagens aéreas. As agências revendem 80% das passagens, e grande parcela da classe C compra nesses locais, muitas vezes, pela primeira vez.”

Segundo Rossi Junior, a maioria dos pacotes vendidos para esse tipo de público custa cerca de R$ 1.000, em média, é parcelado em até vezes e tem como destinos mais recorrentes Fortaleza e Salvador, com duração de 5 a 7 dias.

Mais gastos

De acordo com recente pesquisa da consultoria Data Popular de 2010, do total da população brasileira que viajou de avião nos últimos 12 meses, 58% fazem parte das classes C, D e E. “Os emergentes trocam o desconforto de uma longa viagem de ônibus pela comodidade da viagem aérea”, diz o estudo.

Considerando o período de 2002 para 2010, os gastos feitos pelas famílias tiveram crescimento de 82,2% (de R$ 20,9 bilhões para R$ 38,2 bilhões) com forte contribuição do aumento das despesas com viagens feitas pela também chamada nova classe média. No setor de turismo de 2010, os emergentes representaram R$ 13 bilhões, e sua participação no total saltou de 18% para 34% em 8 anos.
"Isso cresceu no ano passado", diz Renato Meirelles, do Data Popular. "Foi crescente, mas no ano passado estourou".
CruzeirosUm segmento do turismo que tem despontado no país é o de cruzeiros marítimos. A temporada de 2010/2011, encerrada no dia 22 de maio, transportou o volume recorde de 792.752 passageiros na costa brasileira - um aumento de 10% sobre a temporada anterior, quando foram transportados 720.621 passageiros, segundo estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV), divulgado pela Associação Brasileira de Cruzeiros Marítimos (Abremar) nesta segunda-feira (30).

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